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sexta-feira, dezembro 03, 2010

The End

Porque esse texto também faz parte da série de separações.



Joker quase fingiu que se assustou quando a porta da sala bateu forte derrubando no chão o calendário de 2004 pendurado do lado de dentro, mas achou que não valeria a pena dar esse gostinho para ela. Não tirou, portanto, os olhos do notebook e permaneceu na mesma posição que estava, as mãos no teclado, as pernas bem abertas, a cabeça levemente virada de lado, o pé esquerdo balançando impaciente, como sempre.

Melissa também não se espantou quando, ao entrar, deixando a porta bater de propósito, o encontrou novamente virado de costas para o computador com a mesma roupa da última vez. Já fazia o que, uns dois anos que eles não se viam? Sim, ela calculava mais ou menos isso. Aquela bermuda jeans desfiada nas barras talvez já pudesse parar em pé sozinha, de tão dura e encardida. A pulseira hippie feita pelo Zee com sementes variadas ainda não havia arrebentado, impressionante. Já era praticamente impossível ler a frase estampada nas costas da camiseta laranja desbotada, mas ela sabia o que era: "Viddy well, little brother." O tênis, originalmente azul claro, parecia preto. O chapéu côco com parte da aba etrategicamente virada não era exatamente um bom sinal.

Pra que olhar, se ele poderia sentir a presença dela há quilômetros de distância? Seus sentidos aguçados a detectariam para sempre. Aquele perfume ridiculamente comum, fresco e amadeirado, reagia de um modo completamente especial em contato com a pele dela, e essa fragrância meio exótica tinha o poder de fazê-lo relembrar de sons, gostos, texturas, cores e histórias. Ele gostava daquele gatilho que o cheiro dela provocava nele e, portanto, já havia decidido que não faria nada para mudá-lo. Afora os sentidos aguçados, havia uma conexão ainda mais forte e impossível de se conter. Como deter a mão de Malkav? Era incontrolável, a trama seguia sozinha, e eles sempre estariam nela, conectados.

Foi por conta da trama que ela havia vindo. Foi praticamente direcionada, mas ela não sabia muito bem se por ele ou por completo acaso. As vozes nunca foram tão claras com ela quanto eram com ele, mas estavam mais fortes e objetivas. Sentia falta do que ele representava. Uma proteção diferente, como uma barra de ferro meio bamba no carrinho da montanha russa. Aquela segurança que você nunca tem certeza mesmo se vai adiantar de algo, mas que é onde você se agarra quando a descida vai se aproximando. Ela gostava do jeito descontraído dele, das risadas sempre garantidas, daquela empolgação quase infantil diante das novidades. Ele era diferente dos outros vampiros, porque a idade simplesmente parecia não pesar sobre suas costas.

- Foram como ecos distantes ou estavam mais nítidas dessa vez? - ele perguntou de repente
Ela engoliu em seco antes de murmurar:
- Altas e claras.
- Que bom. Legal. Fico feliz por você...
- Eu vim porque...

Ele arrastou a cadeira de rodinhas para trás, virou-se e se colocou de pé tão rápido que ela deu um pulo na direção da parede, arregalando os olhos. Ele riu alto.
- Como sempre, assustada... Será que nunca vai mudar?


- Sempre tive dificuldade de reagir às suas surpresas
- Achei que gostava delas
- Eu gosto.

A expressão dele relaxou um pouco. Olhou para aquela menina de roupas indianas, pele muito clara, sandálias rasteiras. Os cabelos vermelhos e curtos pareciam brilhar de tão intensos. Ele se aproximou com o olhar terno e fingiu tocar nela, apesar de manter as mãos à distância. Fez um "carinho" nos cabelos, sem tocá-la, passou as costas da mão pelo seu rosto, sem sequer encostar em sua pele. Era como uma mímica, um teatro. Ela fechou os olhos por alguns instantes quando recebeu um tapa violento, que a jogou no chão do quarto.

- NÃO ABRA A GUARDA, MELISSA!! NÃO SEJA IDIOTA!! - ele gritou, fazendo as prateleiras da estante tremerem.

Lágrimas de sangue escorreram pelo rosto límpido da garota. Ela sabia, ela sabia. A dor era mais forte por dentro do que por fora.

- Foi isso que eu senti morrer, não foi?
Ele voltou a se sentar diante do computador, não sem antes estalar os dedos das mãos e o pescoço, como ele costumava fazer quando estava nervoso. A perna dele passou a se movimentar ainda mais impaciente, e o olhar vagava pela tela enquanto os dedos comandavam o teclado arrastando para baixo imagens e textos que ela não conseguia identificar bem. Falou ainda em tom alterado, e sem olhar para ela:

- O amor foi morrendo um pouco por dia, junto com toda a esperança que eu trazia.
- Eu não tive culpa, Joker...
- Ninguém nunca tem, meu bem - e dessa vez sua frase foi verdadeiramente carinhosa - ninguém nunca tem...

Ela se levantou devagar, limpou o rosto com as duas mãos e andou até o lado dele, dizendo em seguida, tentando dar firmeza à voz:

- Eu vim porque preciso que você me deixe ir...
- Não muda nada eu deixar enquanto você mesma não quiser...
- Mas eu quero!
Ele olhou para ela com seriedade:
- Então, se é mesmo assim, eu deixo.

Se encararam por alguns segundos, Melissa sem saber o que dizer. Ele resolveu falar antes:

- Não achou que ia ser tão fácil?
- E quem disse que foi fácil?

Ele estava satisfeito. Tirou o chapéu e colocou suavemente na cabeça dela. Ela aceitou o gesto, como uma verdadeira pupila deve fazer.

- Não pense que é um presente. É mais uma sina do que um agrado.
- Eu conheço bem o efeito.
- Ao mesmo tempo, ele é a força que te faltava. A gana mesmo. Mas tem consequências. Todas aquelas que você já sabe.

Ela balançou a cabeça, concordando. Já era hora de ir. Ela ainda lamentou:
- Não tenho nada pra te deixar.
Ele riu.
- Já está tudo comigo, não se preocupe.

O riso se transformou num sorriso meio forçado, sem mostrar os dentes, uma expressão que ele tinha o costume de fazer quando queria dizer que estava tudo bem, mas na verdade não estava. Fez isso e voltou ao computador. Ela olhou para ele pela última vez, embargada. Nao era fácil, mas era preciso. Saiu então da casa com seu chapéu côco, pronta para, talvez, nunca mais voltar.

"...Quando eu me sinto um
pouco rejeitada
Me dá um nó na garganta
Choro até secar a alma
de toda mágoa
Depois eu parto pra outra
Como um mutante
No fundo sempre sozinha
Seguindo o meu caminho
Ai de mim que sou romântica!..."

(Mutante - Rita Lee)

terça-feira, abril 13, 2010

Melissa e Kapeller 11



- Quando te vi pela primeira vez, daquele parapeito ali - e ele apontava um lugar indefinido da escuridão da janela do meu quarto - tive certeza de que seria você.
- Não, não teve.
- Você acha mesmo que eu te diria isso?
- Acho que não, por isso estou duvidando.
Ele sorria, os dedos passando suavemente pelo meu rosto. Estávamos deitados em cima do tapete redondo do chão, diante da janela, de onde enxergávamos o céu sem estrelas da noite de São Paulo. Os rostos próximos, mas sem nos encararmos.
- Não diria mesmo. Não para aquela menina. Ela não ainda estava preparada para saber.
- Aquela menina ainda está aqui, Chris.
- Será?
- Coberta por uma armadura de aço, mas está.
- Não consigo reconhecê-la.
- Assim como eu não consigo mais reconhecer você.
Nos olhamos por alguns segundos, mas foi impossível segurar o mal estar. Voltei a olhar pro céu. Ele quebrou o silêncio novamente:
- Não era game over?
- Digamos que você tinha um "continue" ainda.
Ele riu alto, como eu nunca antes o havia visto fazer.
- Isso deve querer dizer que eu jogo bem...
- Ou tem as senhas certas...
- Que sorte a minha
- Que sorte a minha
Sorrimos, e dessa vez os olhares conseguiram se encarar por mais tempo. Muito mais tempo.

"De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus..."

(Chico Buarque - Sem fantasia)

segunda-feira, abril 12, 2010

Melissa e Kapeller - 10



(Para ler ao som de Pyramid Song - Radiohead)

Quando entrei ele estava sentado num canto, murmurando algumas palavras que reconheci na mesma hora. Aquela já havia sido minha música favorita. Não era mais. Ele sorriu e se virou, sem parar de cantar...

"...black-eyed angels swimming with me...
...and we all went to heaven in a little row boat..."

- Eu nunca tinha percebido, Mel
- O que?
- O quanto ela fala de nós
- Você nunca foi muito dessas... Sutilezas... Ta tudo bem...
- Não! Não... Não faça isso...

Ele se levantou, veio na minha direção e tampou minha boca com os dedos, suavemente.

- Psiuu... Não faça mais isso, minha querida... Não diga mais que tudo bem... Você não precisa... Eu quero ser diferente, quero ser quem você espera.

Senti seus dedos escorregando pelo meu rosto até se afastarem de mim.

- Eu não espero uma cena montada. Nem essa trilha sonora... Nada disso faz sentido pra mim... Nada...
- Eu não montei nada, essa pra mim é a sua música... Eu precisava demais de você aqui, queria demais te sentir aqui... Mas, por favor, se não é isso que você quer... Que eu preciso fazer, Mel?
- Eu não sei, Chris... Acho que nada. Não mais...
- Mas você veio até aqui... Por que?

Como explicar o amor? É possível? É necessário? Mudaria alguma coisa para ele? Mudaria, principalmente, alguma coisa para mim? Como explicar a dor que ele me causou em todos esses anos de frieza, de solidão, de vazios? Como explicar cada palavra que me doía como uma punhalada? Cada rejeição?

Como explicar que eu ainda estivesse ali mesmo depois de tudo aquilo? Como explicar que eu ainda atendia aos chamados dele? Duas palavras dele mudavam anos de resoluções minhas? Eu me odiava por estar ali, eu me odiava, mas ali eu estava.

Ouvindo a música que eu me recusara a ouvir por anos, sentindo aquelas borboletas no estômago. As borboletas que eu esmagava uma a uma, com ódio, com desprezo. Mas que renasciam como mágica, com as magias que só ele sabia fazer. Como dizer tanta coisa pra quem significa tanto? Não. O silêncio falaria por mim naquele momento. Só ele, e Thom Yorke.

"...there was nothing to fear and nothing to doubt
there was nothing to fear and nothing to doubt
there was nothing to fear and nothing to doubt..."

Melissa e Kapeller 9



De: Kapeller ckapeller@lerolero.com
Para: Mel melissacacia@lerolero.com
Enviada: Segunda-feira, 12 de janeiro de 2010 00:56
Assunto: RES: Re: Re: hey


Saudades de você.
Não dessa você que encontrei ontem.
Mas daquela que precisava de mim.
Com urgência.
Um misto de orgulho e desespero te ver assim, tão forte, tão independente, tão segura.
Me quebra ao meio.
Me machuca de uma forma que eu achava que nada mais faria.
Me faz escrever esse tipo de coisa, do nada, e parar pra pensar no perfume dos seus cabelos.
Bela droga que esse velho aqui se tornou.
Bela droga.
Chris


"...Sabia
Gosto de você chegar assim
Arrancando páginas dentro de mim
Desde o primeiro dia

Sabia
Me apagando filmes geniais
Rebobinando o século
Meus velhos carnavais
Minha melancolia

Sabia
Que você ia trazer seus instrumentos
E invadir minha cabeça
Onde um dia tocava uma orquestra
Pra companhia dançar

Sabia
Que ia acontecer você, um dia
E claro que já não me valeria nada
Tudo o que eu sabia
Um dia..."

(Chico Buarque - Lola - mas poderia ser Melissa)


De: Mel melissacacia@lerolero.com
Para: Kapeller ckapeller@lerolero.com
Enviada: Segunda-feira, 12 de janeiro de 2010 01:42
Assunto: Re: RES: Re: Re: hey


"Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é."
(Alberto Caeiro)

Eu sou o que você quis que eu fosse.
Os planos mudaram?

Lola


De: Kapeller ckapeller@lerolero.com
Para: Mel melissacacia@lerolero.com
Enviada: Segunda-feira, 12 de janeiro de 2010 01:49
Assunto: RES: Re: RES: Re: Re: hey


"Por que é que você veio me perder
Quer se divertir?..."

Os meus planos mudam a cada minuto.
Quero te ver.

De: Mel melissacacia@lerolero.com
Para: Kapeller ckapeller@lerolero.com
Enviada: Segunda-feira, 12 de janeiro de 2010 02:15
Assunto: Re: RES: Re: Re: hey


Ele desatinou...
Viu morrer alegrias, rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando e ele ainda está ... sonhando, divagando...
Quem não inveja o infeliz, feliz
No seu mundo de cetim, assim,
Debochando da dor, do pecado
Do tempo perdido, do jogo acabado...

Game over, Kapeller...
Game over.

(parceria minha com o Chico, grande Chico)


De: Kapeller ckapeller@lerolero.com
Para: Mel melissacacia@lerolero.com
Enviada: Segunda-feira, 12 de janeiro de 2010 02:28
Assunto: RES: Re: RES: Re: Re: hey


Touché...

"Será que já não vi
De modo impessoal
E em tempo diferente
Um dia estranhamente igual
Dias iguais

Outros olhos
No teu rosto
Vou falar teu nome
E já teu nome é outro
Outra bruma
Sombra de outro sonho, alguém
Na manhã de junho
Outono, outubro, além..."

Adeus, adeus, meu caos...

(Mais? Leia aqui)

sexta-feira, julho 17, 2009

Melissa e Kapeller 8


Quando desci as escadas, meio esbaforida, atrasada como sempre, ele já estava lá. A expressão no rosto dele era de um sorriso, mas acho que mais ninguém além de mim poderia identificar qualquer sentimento ali. Outras pessoas jamais reconheceriam aquele ínfimo movimento de maxilar como expressão de felicidade, mas eu sabia o que era, e o quanto era raro flagrá-lo daquela forma.

Parei diante dele. Meu vestido era vinho e tinha mangas compridas. Usava meia calça preta grossa, com sapatos pretos de boneca. Uma flor de tecido lilás enfeitava meus cabelos e um cachecol muito peludo se enroscava em meu pescoço. Puro charme, já que obviamente já fazia pelo menos uns 12 anos que eu não sentia mais frio.
Que diabos ele queria com um encontro a sós, assim? Um encontro mesmo, foi essa a palavra que ele usou no telefone. Encontro. As mãos dele estavam escondidas atrás do corpo, e por um segundo eu tive a ilusão de que ele carregava um buquê de flores, mas, que bobagem, era tão óbvio que Chris jamais faria aquilo. Quer dizer, talvez até fizesse, mas de um jeito sarcástico, por pura ironia, para fazer uma explanação sobre a fragilidade das plantas ou algo do gênero.

Permaneci séria, com aqueles cílios posiços grandes e a maquiagem pesada nos olhos fazendo com que minha expressão ficasse ainda mais carregada do que de costume. Era impossível explicar o sem número de sentimentos que eu revivia ali diante daquele homem. Eles se enfileiravam diante de mim, tantas lágrimas, tantas páginas do meu diário rasgadas, a solidão apavorante quando ele se afastava, o desespero ao ouvir as músicas mais tristes, a escrita compulsiva das poesias mais desesperadas, as tolas e vãs tentativas de fazer com que ele me entendesse, que enxergasse os fatos de forma diferente.

Os anos separados causaram em nós efeitos opostos. Enquanto eu endureci, passei a ver a vida de uma forma mais prática e objetiva, ele parecia ter amolecido, parecia estar mais frágil e sensível. Seria irônico, se não fosse triste o fato de que corríamos em direções opostas sempre. Talvez nunca nos encontrássemos, simplesmente porque era assim que tinha que ser.

- Você está linda, ele disse dando dois passos na minha direção.
- Você é ridículo, eu disse, sem mover um músculo.

Ele riu, como se já esperasse um comentário ácido da minha parte. Definitivamente eu não via nada ali que pudesse ser divertido e exatamente por isso aquela situação foi me deixando impaciente, irritada.

- Que você quer de mim, Kapeller?

Chris então se aproximou, trazendo as mãos pra frente. Não eram flores o que ele trazia, mas sim um livro, um grande livro com a capa de couro preto que eu conhecia muito bem. Ele o estendeu pra mim. Eu engoli em seco. A expressão dele era de vitória.

- Acho que já é hora de você ter acesso a ele. Vai te ajudar muito nesse momento da pesquisa, eu tenho certeza.

Estendi a mão para pegar um de seus diários particulares, onde Christopher registrava há anos os passos de seu caminho de pesquisa, suas fontes, suas observações, tudo, absolutamente tudo o que lhe chamava a atenção e mobilizava, suas dificuldades, seus erros, acertos.

Ele então recuou com o livro, visivelmente desapontado.

- Ah, minha querida, era tão óbvio... Que pena, que pena...

Não entendi nada, absolutamente nada. Foi como se o chão se abrisse debaixo de mim. Estava tão cansada desses jogos, desses testes, dessas provas, estava tão cansada dele! Baixei as mãos, nervosa, a fúria se refletia na minha expressão corporal, facial, em tudo. A voz dele também estava alterada, os olhos arregalados, o tom de voz mais alto.

- Seu ego cresceu demais... É preciso mais humildade pra alcançar o conhecimento. Você não poderia aceitar o diário, tinha que ter recusado! Recusado! Dito que não estava pronta ainda!

- Isso está me exaurindo. Me esgotando, me destruindo.

- Mas é o que eu quero, minha querida! Eu quero que você se destrua, pra se reconstruir de novo, pronta, perfeita, inteira novamente!

- Pra mim chega... Que se dane. Seu conhecimento, seu diário idiota... Que se dane VOCÊ...Eu não sou perfeita o suficiente... Nunca vou ser!
Virei as costas e comecei a trilhar o caminho de volta. No alto da escada, voltei-me pra ele de novo. Levei um susto, pois ele estava a um palmo de mim, sério, me encarando com aqueles olhos verdes imensos, que me invadiam, mas não me entorpeciam mais como antes.

- Esse é exatamente o ponto... Você é perfeita o suficiente. O suficiente pra mim.

Não sabia o que dizer. Simplesmente não haviam palavras. Não havia o que fazer também. Definitivamente estávamos em mundos diferentes agora. Toda aquela doçura já não encontrava mais espaço em mim. Meu coração estava endurecido, rígido, simplesmente não respondia mais. Nem a ele, nem a ninguém.

- Da próxima vez tentarei ser mais-que-perfeita, então...

Ele balançou a cabeça, concordando. O arremedo de sorriso já não existia mais.

- Uma pena, Mel... Que pena...

"...Ela já não gosta mais de mim
Mas eu gosto dela mesmo assim
Que pena, que pena
Ela já não é mais a minha pequena
Que pena, que pena...
Pois não é fácil recuperar
Um grande amor perdido
Pois ela era uma rosa
As outras eram manjericão
Ela era uma rosa
Que mandava no meu coração

Que pena, que pena
Mas eu não vou chorar
Eu vou é cantar
Pois a vida continua
E eu não ficar sozinho
No meio da rua, no meio da rua
Esperando que alguém me dê a mão..."

(Que pena - Jorge Ben Jor)

quinta-feira, julho 16, 2009

Melissa e Kapeller - 7


“...A combinação do ascendente em Câncer ao seu Sol em Touro sugere uma natureza profunda, algo introspectiva e muito afetuosa, muito embora talvez não de uma forma tão "demonstrativa". Câncer dá um pouco de timidez aos seus processos afetivos, mas quem lhe conhece sabe como seus sentimentos são profundos. Uma vida muito aventureira não funciona pro seu estilo natural, e cabe a você respeitar este processo. De todo modo, procure tomar cuidado com uma tendência inercial, que pode lhe levar a passar por longos períodos de estagnação - estagnação esta que nasce do medo da mudança, de uma certa dificuldade para "soltar" e relaxar. Positivamente falando, a combinação Touro-Câncer em seu mapa sugere uma pessoa dedicada, constante, um pouco lenta, porém firme em seus propósitos, leal e estável. Se alguém quiser que algo seja feito com responsabilidade, deve se dirigir a você, Melissa, pois há em sua natureza um forte poder executivo, uma tenacidade incomum, além de muito senso de responsabilidade...”

(Mapa Astral de Melissa)

Melissa e Kapeller - 6


Anotações de Melissa em seu diário em setembro de 1997...

“Ouvir ramos estrelejando e sentir aqueles cascos nas profundezas dessa floresta cheia de folhas, a alma; nunca estar inteiramente alegre, nem inteiramente segura, pois a qualquer momento o animal podia estar movendo-se; ódio que fazia-lhe sentir um doloroso arrepio na espinha; causava-lhe uma dor física, todo o prazer da beleza, da amizade, do bem-estar,de sentir-se amada...Tudo vacilava e pendia, como se na verdade houvesse um monstro a roer as raízes... E havia...”

(Virginia Woolf - in Mrs. Dalloway)
O monstro que me roía as raízes então já havia existido antes. E eu, inocentemente, achava que era algo novo, algo que eu houvesse criado, uma sensação unicamente minha. Mas ela era capaz de descrevê-la tão perfeitamente. Virgínia. Era como se traduzisse meus sentimentos, como se fosse capaz de tatear minha alma com as mãos e moldá-la em forma de palavras. Nunca estarei alegre por inteiro, nem totalmente segura. Não enquanto o monstro rondar por aqui. E acho que ele não vai desistir até me encontrar, e me roer, e me levar...

"Ele me esquecerá. Deixará sem resposta minhas cartas. Eu lhe mandarei poemas, talvez ele até responda com um cartão-postal. Mas é por isso que o amo. Proporei um encontro, numa esquina qualquer. Esperarei, e ele não virá. É por isso que o amo. Ele se afastará da minha vida, esquecido, quase inteiramente ignorante do que foi para mim. E, por incrível que pareça, entrarei em outras vidas. Talvez não seja mais que uma escapada, um simples prelúdio. Continuarei a deslizar para trás das cortinas, para o seio da intimidade, em busca de palavras sussurradas a sós. Por isso parto, hesitante mas altiva. Sentindo uma dor intolerável, mas segura de que vou triunfar nessa aventura após tanto sofrimento, segura, quero crer, de que no fim descobrirei o objeto do meu desejo."

(Virgínia Woolf)

“Já hoje me decidi - nunca mais me darei inteira.
Viverei em fragmentos sem muito amor
porque deles me restarão o mundo.
Pedi para que a paixão me deixasse e fosse encontrar outro fraco.
Descobri tardiamente que tudo era mentira.
Estava sendo enganada
O amor é uma idolatria
E como todas, aliena.
Quero tudo pouco para enxergar mais de perto a grandeza de existir.
Tirem de mim a carga de amar demais!”
(Virginia Woolf)

Melissa e Kapeller - 5


SP, Novembro - 2008

Quando ela pára diante da guarita o vidro do carro abaixa e os olhos dela surgem então atrás dos óculos escuros.

- "Acesso para o laboratório de pesquisas avançadas. Meu nome é Melissa Acácia Mello".

O porteiro confere uma prancheta e dá as instruções de onde ir.
O prédio antigo dá um ar nostágico, ela se lembra deste lugar, mas algumas coisas agora são diferentes, o entorno foi modernizado, reformado. Ela pára o carro em um galpão anexo ao prédio, e um homem está lá para recebê-las.
- "Melissa Acácia Mello, Estudiosa da Fome, Aprendiz da Luz Agonizante, eu sou o servo Vladmir, a serviço de Sara, Iniciada da Praga Rubra, Oráculo dos Mistérios. Por favor me siga, vou levá-la até ela".

---

A Sara que Melissa conheceu não mudou nada. Sua feição traz traços arábes, suas roupas discretas porém praticas, o olhar profundo.
- "Infelizmente Pietre não está disponivel para dizer pessoalmente, mas seja muito bem vinda em seu retorno a São Paulo e à Academia, Melissa. Estou certa de que a Ordem poderá aproveitar muitas de suas habilidades como iniciada nos votos da Luz Agonizante."

Melissa e Kapeller - 4


SP, Outubro - 2008

Era estranho abrir de novo aquela mesma janela. Emperrava da mesma forma. Malditos inquilinos, ela pensou. Como conseguiu passar tanto tempo longe de seu canto? Sim, porque era ali... Era ali que ela realmente se sentia em casa... Pediu para Maia cuidar de Kith antes de se recolher...
Os olhos cansados da garota não escondiam a vontade de dormir, mas ela atendeu o pedido... Enquanto a menina abria uma lata de comida para o gato, Melissa olhava a cidade do alto, pensativa, séria...
Que seria agora? Tanta coisa para fazer... A começar por aquele apartamento, é claro.... "O que você faria, meu amor?", murmurou baixo... Claro... Sinais, sinais... Precisava buscá-los... E então, quando baixou os olhos, sorriu, largamente.
As unhas ainda eram as mesmas, pintadas de preto e lascadas, mas muito tempo havia se passado. Com delicadeza, ela começou a passar aquelas unhas num dos cantos do parapeito. E não é que estava lá? Enfiado num vão da velha janela, quase destruído, amassado, desbotado, mas lá estava...
Um pedaço de papel cartão plastificado, quase camuflado na poeira, protegido por alguma obra do destino. Era uma peça do quebra cabeça cuja grande maioria das peças ela mesma, há anos, havia jogado por aquela mesma janela. Ela o apertou entre os dedos e, silenciosamente, agradeceu ao universo. Estava, afinal, no caminho certo.
"...Well you don't know my name?
But that's alright
'Cause it was just the first night
And you don't know
I can sing
Don't know how happiness I carry
But that's alright
'Cause it was just the first night
And I say
Shalalalala
Was I another of your toys?
And I say
Baby please don't lie
'Cause I really know boys..."
(Mallu Magalhães - Really Know Boys)

Melissa e Kapeller - 3

Curitiba, setembro 2008

De: Melissa Mello melissacacia@lerolero.com
Para: Chris ckapeller@lerolero.com
Enviada: Segunda-feira, 1 de Setembro de 2008 1:30:19
Assunto: hey

Estou voltando pra São Paulo. Achei de bom tom te comunicar. Acredito que em duas semanas tudo já esteja acertado. Quando puder, me escreva. Já faz mais de um ano, afinal.
Um abraço.
Mel

“...Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama...”

(Adélia Prado)

De: Kapeller ckapeller@lerolero.com
Para: Mel melissacacia@lerolero.com
Enviada: Terça-feira, 2 de Setembro de 2008 2:30:03
Assunto: Re: hey

Não pude esconder o largo sorriso ao ler seu contato. Você me traz o caos, Melissa… Um caos arrebatador e ao mesmo tempo libertador… Você é meu coringa, minha criança adorável, um impulso misterioso que me impele ao desconhecido, aquela que sempre surge do nada, abrindo meus caminhos, ampliando meus horizontes, me destruindo pra depois me reconstruir. É bom ver que você segue acreditando, que nada conseguiu corromper sua confiança ainda. Siga seu caminho daqui em diante, continue a acreditar no que essa voz aí dentro te diz. Inunde São Paulo com seu caos.
Sempre seu amigo,
Kapeller

De: Melissa Mello melissacacia@lerolero.com
Para: Chris ckapeller@lerolero.com
Enviada: Terça-feira, 2 de Setembro de 2008 2:48:15
Assunto: Re: Re: hey

Do caos sempre nasce algo. Em vez de se preocupar diante de uma situação caótica, espere o nascimento. Você me ensinou isso. O tarô me ensinou isso. Eu entendi a comparação com o coringa. O tolo. Talvez seja isso mesmo. Sou a boba da corte. Mas já aprendi a ver a boba de um jeito positivo. O problema é quando o nosso bom senso se torna caótico - e talvez o meu seja - então fica impossível ver a totalidade.
Um beijo,
Mel

“...Você diz "já foi" e eu concordo contigo
Você sai de perto, eu penso em suicídio
Mas no fundo eu nem ligo
Você sempre volta com as mesmas notícias
Eu queria ter uma bomba
Um flit paralisante qualquer
Pra poder me livrar
Do prático efeito
Das tuas frases feitas
Das tuas noites perfeitas
Pra poder te negar
Bem no último instante
Meu mundo que você não vê
Meu sonho que você não crê...”


(Frases Perfeitas - Cazuza)

Melissa e Kapeller - 2


Curitiba, Janeiro - 1999

A fuligem curitibana se misturava aos ultimos raios de sol, diminuindo a força do astro, enquanto uma voz melodiosa e cansada misturava-se aos sons da tarde no velho edíficio apinhado de gente que Christopher usava como refúgio.

Como um mantra tropical, os versos ecoavam várias vezes em sua mente, fazendo-o relembrar da noite anterior, quando Melissa quase cometera o erro de contestar sua a autoridade como criador na frente de outros kogayon.

Obviamente Kapeller sabia que a Ordo era bem tolerante no que tangia ao comportamento dos aprendizes com relação aos seus preceptores, mas não era a percepção dos magníficos dragões que preocupava o ancião.

A discrição não era necessariamente uma característica de sua espécie e Melissa tornara-se uma mekhet graças a seu desejo de torná-la em algo mais que uma aspirante a estudante do oculto. Ele lhe farejara a fera antes mesmo de seu abraço, mas sua passionalidade a marginalizaria perante sua Família e Christopher detestaria perdê-la por um capricho tão medíocre. Ele, aliás, detestaria perdê-la de qualquer forma.

Desceu a escadaria desgastada pelo tempo e cumprimentou o porteiro. Caminhou pelas ruas apinhadas de gente saída do trabalho e presa à roda das coisas, desesperançosa de qualquer mudança. Christopher olhava para o povo com a ínfima intenção de encontrar um ponto de luz, mas tudo que via era gado em uma cidade desestruturada.

Christopher lembrou de suas próprias ambições e do quanto elas podiam afetar o mundo a sua volta e caminhou rumo ao galpão do velho moinho, onde sabia que sua pupila o aguardava.
Encontrou-a sentada na trave do telhado. Abaixo dela, alguns policiais fotografavam um corpo ainda quente.

-Ele se matou - sussurou Melissa com pequenas lágrimas rubras a manchar-lhe a face alva - deixou uma carta confessando o assassinato da esposa, cujo o conteúdo já anexei ao estudo. Agora preciso catalogar a impressão de cada um desses homens, aguardar que o governo tome para si o pouco dinheiro que ele conseguiu juntar até que a energia residual de sua...

- Chega! -interrompeu Kapeller limpando o rosto de Mellissa e sinalizando para que saíssem daquele lugar- Acabou...

A garota quase se pegou contestando seu mestre mais uma vez e o teria feito se a ordem de abandonar aquela enfadonha e lúgubre tarefa não a deixasse tão aliviada. Passaram incógnitos pelos colegas do defunto e Christopher prosseguiu enquanto caminhavam no frio daquele começo de noite:

-Você pôde entender que a teoria de que toda ação tem um reação não é validada quando tratamos do rebanho, Melissa. Nós temos...responsabilidades para com nossas existências e nossas ações desencadeiam uma série de eventos que podem nos levar ao sucesso ou à destruição. Essa noite, o dragão que você perseguia, ainda que talvez por mera obrigação, mudou de rumo e direção e sua cauda alcançará harmônicas desnecessárias para seu aprendizado. Eu vim para te libertar desse laço, minha jovem suplicante-do-sangue. Você ficará por aqui, por enquanto, aprendendo com outros mestres sobre a transcendência de nossa condição...

"...Ainda é cedo amor, mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Presta atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
E em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés..."

(Cartola - O mundo é um Moinho)

quarta-feira, julho 15, 2009

Melissa e Kapeller - 1

SP, Dezembro - 1998
- Eu te amo, Chris... E você nunca, nunca mais vai ouvir isso de mim...
Ele se levantou, batendo a calça, limpando a sujeira
- Temos coisas a fazer, Melissa... Chega!
SP, Janeiro - 1998

- Hey... Eu te amo! Eu te amo, eu te amo, Chris... Não me deixe sozinha, por favor... Por favor, por favor, por favor...
- Achei que você tinha dito que eu nunca mais ia ouvir isso de você.
- Eu menti!!
- Essa instabilidade tem que terminar por aqui. Não vou mais tolerar esse tipo de resposta de você.
- Onde você vai?
- Não importa. Eu voltarei quando sentir que você evoluiu, que aprendeu com as experiências, que não está mais considerando que seu umbigo é o centro do universo.
- O centro do meu universo é você........
- Adeus...
A porta bateu diante do rosto dela, e ela caiu no chão, desesperada. Urrava de dor, porque realmente doía demais.

“...Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei prá maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra te mostrar que ainda sou tua
Até provar que ainda sou tua...”
(Chico Buarque - Atrás da Porta)

SP, Fevereiro - 1998

Quando ele abriu a porta do minúsculo apartamento, logo ouviu o barulho frenético das teclas do computador. Ela fez uma pausa de dois segundos contados e logo recomeçou a esmurrar o teclado com fúria.

Não se virou para encará-lo. Não precisava mais fazer isso. Os incríveis sentidos aguçados que ela vivia treinando fizeram com que ela simplesmente soubesse que era ele. Parou por mais alguns segundos para consultar algumas linhas de um entre os vários livros abertos na mesa, ao lado dela e continuou então a escrever. Ele se sentou, como sempre fazia, ao lado do gato, no sofá a cada dia mais empoeirado.

Os pêlos de Kith se ergueram diante da presença de Chris e o bichano decidiu então terminar seu cochilo em outro cômodo da casa. Quando o silêncio cortado pelo ruído incessante do teclado o incomodou, ele finalmente falou, sorrindo:

- Boa noite pra você também, Melissa
- A cada ação, corresponde uma reação... – falou sem parar de digitar e sem retirar os olhos da tela do computador
- Já entendeu o mecanismo?
- Sim, por isso estou reagindo
- Ótimo. Acho que posso voltar aos seus ensinamentos agora então.
- Estarei pronta, Kapeller
- Não precisa ser assim, menina..
- A lição foi aprendida. Próximo tópico.
- Olhe para mim.

Ela se virou, o semblante era sério, mas tranqüilo, controlado. Ele sorria.

- A próxima lição é sobre equilíbrio. Pender demais para cada um dos lados faz com que você perca a razão, seja pelo excesso de emoção, ou pelo excesso de frieza.

Ela se virou para o computador novamente, calada, mandou imprimir o texto que estava escrevendo. Após algum tempo, se levantou, pegou a folha e entregou para ele, no sofá.Ele leu o texto impresso e sorriu.

- Um tanto quanto esquisofrênico... Mas válido...

Ela riu de volta enquanto ele devolvia o papel pra ela, que trazia a mesma frase escrita dezenas de vezes: estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota! estava com saudades, seu idiota!

“...É por isso que se há de entender
Que o amor não é um ócio
E compreender
Que o amor não é um vício
O amor é sacrifício
O amor é sacerdócio
Amar é iluminar a dor -
como um missionário...”
(Chico Buarque - Viver do amor)

SP, Março - 1998

- Por que você me escolheu, Kapeller?
- Porque tinha que ser, Mel...
- E por que tinha que ser?
- A vida não é o que nos acontece. É o que a gente faz com o que nos acontece.

“Meu bálsamo benigno
Meu signo
Meu guru, porto seguro
onde eu voltei...”
(Meu bem, meu mal - Caetano Veloso)

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Desconexo



"...Te vejo e pareço louca
Sem memória, sem história
Até que alguma canção
Algum cheiro ou expressão
Me faça te ver de novo
Mas é rápido, é quase pouco...
E nem dói nada...
Nossa paixão congelada

Não te reconheço mais
Tuas roupas são outras
E soltas de mim
As palavras da tua boca..."

(Nunca Mais - Adriana Calcanhoto)


"Essa noite, o dragão que você perseguia mudou de rumo..."

Foram as últimas palavras dele. Parecia ter acontecido há tanto tempo, mas Melissa ainda era capaz de se lembrar da cena exata. A relatividade do tempo nunca fora tão patente. Não havia sido uma despedida justa. E qual delas é? Aquilo havia marcado tanto. Aquelas palavras rasgaram seu peito. Causaram uma dor inimaginável. Ficar sem ele era como não existir. Era perder parte de sua essência. Era curioso que ele não percebesse. Ou será que percebia? Não importava mais. Christopher, Christopher, Christopher... Um nome que se repetia em sua mente sem parar. Iria vê-lo, iria vê-lo, iria vê-lo... VÊ-LO!! Seria possível que depois de dez anos, depois de tantas mensagens, de tantos e-mails, de tanta poesia escrita e depois rabiscada, de tanto ódio... Porque sim, ela o odiara pelo abandono, pela renúncia, pelo descumprimento daquele que ela considerava como papel de um mentor, de um guia. Fora largada à própria sorte, e, convenhamos, ela certamente nunca foi das mais abastadas.

Foi quando ela sentiu algo. Era como se estivesse viva de novo, e não presa àquele corpo de vampira. Ele estava ali, e Melissa tinha certeza absoluta disso. Percorreu aflita os dez metros que a separavam da porta, que abriu exatamente no mesmo segundo em que ele apertava a campainha. Os olhares se encontraram, e ela sentiu um embaraço, uma estranheza, algo que parecia não combinar com um reencontro daqueles. Fisicamente eles sempre seriam os mesmos, uma das vantagens da imortalidade, mas ela o conhecia bem demais para não julgar a expressão que ele trazia, e não era boa.

Se afastou, dando espaço para que ele entrasse. Déjà Vu. Ou quase. Porque ao invés de entrar, ele surpreendentemente a abraçou. Um abraço forte e inesperado, um gesto que ela jamais esperaria. Não dele, jamais. Foi dominada por aquele cheiro. Almiscar, amadeirado, persistente, que a abarcava, cercava, dominava. Deixou-se abraçar, apanhada de surpresa, conduzida pela voz que parecia resmungar algo em seu ouvido. Um som frouxo, rápido, tanto que ela mal conseguia entender. Era mesmo ele? Falava de saudade? E enquanto aquela barba cerrada machucava seu pescoço suave, marcando a pele fina e quase transparente, ela simplesmente desejou que ele a soltasse, porque aquele não era mais o homem que ela amava, e ela precisava urgentemente descobrir onde ele estava.

"...Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!..."

(Álvaro de Campos)

segunda-feira, março 31, 2008

Deusa

Há tempos atrás fiz uma história sobre minha personagem Melissa baseada nessa linda música, que hoje ouvi novamente no rádio. A música conta a história de um amor platônico e idealizado e a tristeza do pobre apaixonado (que no caso, é claro, é a Melissa, porque eu tenho a maior vocação do mundo pra ser loser, rs). Linda demais. A história está em casa, dia desses, quem sabe, eu escrevo por aqui...

"...A deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar
Nos seus olhos eu suponho
Que o sol num dourado sonho
Vai claridade buscar
Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz

Na rua uma poça d’água
Espelho de minha mágoa
Transporta o céu para o chão
Tal qual o chão da minha vida
A minha alma comovida
O meu pobre coração

Infeliz da minha mágoa
Meus olhos são poças d’água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu e ela é nobre
Não vale a pena sonhar

Infeliz da minha mágoa
Meus olhos são poças d’água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu e ela é nobre
Não vale a pena sonhar..."

(A Deusa da Minha Rua - Newton Teixeira e Jorge Faraj)