quinta-feira, dezembro 27, 2007

aaaaaaaaaaaargh

So kiss me and smile for me
tell me that you'll wait for me
hold me like you'll never let me go
I'm leaving on a jetplane,
don't know when
I'll be back again,
oh babe I hate to go
I hate to go...

...Now the time has come to leave you
one more time, let me kiss you
close your eyes and I'll be on my way
Dream about the days to come
when I won't have to leave alone,
about the times when
I don't have to say...

Equalize

"O meu mundo não é como o dos outros. Quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade...sei lá de quê!” (Clarice Lispector)

Ai, que dia estranho e quente. Odeio calor, odeio odeio odeio calor. Putz, como eu odeio calor. Pelo menos essa cidade está vazia. Pelo menos eu não demoro duas horas no trânsito pra chegar no trabalho. Mas e daí? Os corredores vazios, as pessoas todas meio sem ter o que fazer, mas mantendo aquela pose de sempre, que eu não suporto, que eu não aguento. Hoje eu só queria ficar aqui quietinha escrevendo, escrevendo, ouvindo a minha musiquinha e escrevendo, escrevendo. Mas não dá. Porque a porra do telefone toca, mas nunca é ele. Porque a porra do chefe me enche de trabalhos sem noção que me dão uma raiva imensa da minha existência inútil. Ainda bem que meu filho estava a coisa mais linda e gostosa da face da terra cantando "bom dia como vai?"com os amiguinhos da creche e eu te digo que eu podia passar o dia inteiro só ali, quietinha, observando cada movimento dele. E não entendo como o pai dele consegue ficar tanto tempo longe. Não entendo, não entendo, mas não quero questionar isso agora. E onde você está agora, seu puto, que não me liga, que não me escreve que não aparece, e eu fico aqui caolha, maneta, perneta, meio torta. Mas que droga, será que você NÃO SENTE O MESMO????!!! Me revolta um pouco, me revolta... Mas passa, vai passar. E meu pai que muda mil e quinhentas vezes o lugar onde vai passar o fim de ano. E a Mary W. parou o blog... Como assim, Mary? Órfã de blogs inspiradores. Órfã... E que tomem no cu as pessoas todas que vem me desejar feliz ano novo. Que tomem nos seus respectivos CUS mesmo, eu só quero que o dia passe e que ele venha me ver, só isso. Não quero um feliz ano novo, quero ser feliz agora AGORA... Porque definitivamente não tô feliz agora. Argh. Que droga. Acho que exijo demais. Das pessoas, dele, do pai do meu filho, do meu próprio pai, do meu filho, da Mary W, de mim, de tudo e de todos. Exijo perfeição sendo que acho o imperfeito tão agradável. Não me emendo, e não me entendo, mas queria tanto tanto entender. Tudo é tão lindo, tão, bom, tão legal, e eu querendo sempre mais, mais MAIS. É justo? Não, não é. Nem um pouco. Nem comigo, nem com ninguém, mas é o que posso oferecer agora. Minhas exigências. Só. Vão encarar?

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Tamanco

"Nunca faças escândalos. Ao menos,
Visto que tanto ousas,
Não os faças pequenos...
O ridículo está é nas pequenas cousas."

(Mário Quintana)

Tu divagas

Tem horas em que não te reconheço. Te procuro, e sei que quando procuro, te acho. Fica ali, meio escondidinho, calado, mas queria tanto achar sem precisar procurar. Deve ser assim comigo também. Deve ter alguma hora em que você me olha e não me encontra ali. Deve ter um momento de estranhamento, mesmo que sejam segundos, mesmo que sejam rápidos instantes... Aconteceram alguns ali naquele carro. E agora estamos meio longe, apesar de tão próximos. Será que você está sentindo a minha falta também? Tem horas que agradeço aos céus a chance que temos de nos recuperar de nós mesmos. De parar pra pensar no que se deseja, no que se espera. Eu me avalio e você se enxerga melhor assim. Amo ter saudades dos seus olhos tranquilos, da sua voz sempre firme, da segurança que você me passa, da calma, da certeza de estar sempre ali, mesmo diante de pias lotadas de louças engorduradas, diante de corredores abarrotados de pessoas consumistas, diante de silêncios constrangedores frente a seres que nem tenho tanta certeza se valem a pena mesmo. Você, sempre você. Talvez os outros nem valham mesmo a pena, e quem sou eu pra ficar questionando o valor de alguém? Não. Não. Mas eu sinto tanta falta das suas palavras-abraço. Aquelas que sempre me acolhem. E senti tanta falta de um beijo, quando você saiu do carro. Ficou um beijo ali, no vácuo, quando olhei pra trás e vi sua mochila azul indo embora, cada vez mais longe. E fiquei pensando se você ia se cuidar, se ia comer, se ia tomar remédio na hora certa, e fiquei pensando em quem ia pentear seus cabelos depois do banho e todos aqueles sentimentos extremamente maternais que eu costumo cultivar. E nem é só com você. É um desejo de cuidar mesmo, fazer o que? Quase não consigo evitá-lo. Nem quero. E aqui estou eu diante desse computador frio, sozinha, embora acompanhada, solidão dos piores tipos, pensando na minha vidinha vazia. Cheia de probleminhas chatos que eu nem sei como começar a resolver. Maldito cheque, de onde ele veio? Maldita música a que vem do computador vizinho, que me irrita e me tira a concentração. Maldito almoço ruim de sempre. Maldita gente vazia de alma, de espírito, de conteúdo. Tô meio cansada. Pensando em como passa rápido o tempo, em como os dias simplesmente se esvaem, as horas vão embora... E cada vez que o pequeno chamava por você naquele carro era quase como uma punhalada. Me destruía. E os pensamentos vão surgindo mesmo sem sentido, mas talvez você encontre algum, porque até que você é bom nisso, sempre foi. Difícil a falta da despedida. Essa timidez não deixa que você seja a mesma pessoa sempre, apesar de eu saber que você continua ali. E que importa? Não deveria, mas dá certo incômodo. Não me importo com o que eles acham, mesmo, mesmo. Não me importo com o que ninguém pensa, mas quero linearidade. Quero que você seja sempre o mesmo comigo, estando diante de quem for, da forma que for, onde for. Só isso. Algo que me passa pela cabeça. Assim, agora, do nada. Acho que é por isso que estou meio estranha. Trabalhemos nisso. Também tenho tanto a trabalhar. Tenho real consciência disso. A gente vai dando um jeito, né. Em tudo. Foi tão bom até agora, e ainda deve ser melhor. Vai ser. Só sinto saudades e não gosto de não ter como dizer. Eu tenho, né. Mas sei lá. Tenho a impressão que você não gostaria. Deixa. Mantenho aqui meus pensamentos, que é mais seguro, e a gente vê se resolve isso tudo mais dia menos dia, né... Pelo menos essa distância é mais tranquila, menos assustadora, menos desesperadora. Desculpa não escrever com coerência, é pedir demais de mim. Sempre achei que seria mais fácil começar a escrever o quanto antes, mas sei lá, de repente dificulta algo. Os pensamentos girando devem atrapalhar a ordem das coisas e a minha compreensão fica meio alterada. Estou me sentindo em análise. Ainda bem que você já conhece o processo e é possível que não te apavore. Possível. Por favor, não se apavore, que nada é pra já, meu bem. Nosso amor não tem pressa, né? Ai ai, que maluca. Insana. Não daquele tipo de insana descrito antes. Outro tipo. Mas tá aí, espero que a gente se reconheça mais instantaneamente, e que possamos permanecer os mesmos um com o outro mesmo diante de quem quer que seja, e que as despedidas sejam mais trabalhadas, e sentidas, e acho que por enquanto é isso aí, daqui uns 15 minutos escrevo outra bíblia. Ou não.

Overdose

"...Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem..."

De alguma forma insana... rs... Engraçado pensar que quem deseja que um amor volte é insano... E não, eu não desejo que nada volte. Não pra mim. Chega. Basta. Paz.

Mutilação

ai ai... meio perdida, assim, meio sem jeito, faltando alguma coisa, sei lá... Acho que é um braço. Ou uma perna. ai ai... Esse Caio...

"Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta o meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito pudor de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos meio tudo isso, não tem jeito, é tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues... Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo."

(CFA)

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Cicatriz

3 meses... Há 3 meses ele decidiu ir embora de casa. Há 3 meses que eu chorei e solucei por uma noite inteirinha, mas levantei de manhã jurando que não ia chorar por ele nunca mais. Que engano... Não vou dizer que é fácil, não vou dizer que é difícil, não vou dizer que supero, nem que não supero... Marcas são marcas, elas ficam por aí com a gente, nos acompanham e nos cercam... Não costumava lembrar delas, preferia sempre deixar tudo passar. Mas estou mudando tanto, de tantas formas diferentes, que dessa vez estou pensando em lembrar até das dores, que é pra não doer de novo, pra não cometer os mesmos erros. Quem sabe dessa vez eu aprenda alguma coisa, né? Quem sabe eu não passe a tomar algumas atitudes, né? Tá na hora já... Hello... Ano que vem 2.9 minha filha, um filho lindo pra criar, bons valores pra passar pra ele sempre, uma vida inteira pra construir... Quando é que acaba essa adolescência mesmo?

"Menos pela cicatriz deixada, uma ferida antiga mede-se mais exatamente pela dor que provocou, e para sempre perdeu-se no momento em que cessou de doer, embora lateje como louca nos dias de chuva"

(Caio Fernando Abreu - Os companheiros - uma historia embaçada)

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Infelizes para sempre

Não teve amigo secreto na empresa nesse ano e por isso eu nem precisei me dar ao trabalho de forjar o sorteio como fiz no ano passado. É, eu sou desse tipo de gente chata e desonesta que faz esse tipo de palhaçadinha sem graça em benefício próprio. Ano passado fui incumbida da missão solene de passar pelas mesas levando os famigerados papéis da brincadeirinha mais chata de todos os tempos. Porque eu sou daquele tipo de pessoa que passa uma imagem de idônea e acima de qualquer suspeita. Dissimulação, aquela coisa toda, minha gente. Mas não, eu não ia arriscar tirar o meu chefe e ter que abraçá-lo na hora da troca de presentes. Nem deixar meu nomezinho lá pra ser sorteado pela tiazona que pinta o cabelo de acaju e parece a Ângela Maria pra ganhar um batom vermelho-puta-cintilante-boca-loca. Não. Eu não. Nem fodendo. Me juntei com as estagiárias e forjamos um plano perfeito, trocando os papéizinhos com nossos próprios nomes entre nós. Bem feio mesmo. Tipo, eu tirei a Mariazinha, que tirou a Aninha, que me tirou. Assim, aquelas coisas que nunca acontecem mesmo. Não escapamos do corinho "marmelada, marmelada" na hora da troca de presentes, mas como nem rolou auditoria escapamos imunes. Esse ano estava ficando desesperada já. Porque nem ia rolar de fazer essa palhaçadinha de novo, que ia dar na cara. E, tipo, NÃO TEM como escapar dessas porcarias aqui. Não tem. Cabeças de pessoas que não confraternizam rolam por aqui. Falsidade impera mesmo. Neguinho nem sem graça fica mais. Então a gente vai se virando como pode. Mas esse ano não teve amigo secreto e eu agradeci a Deus Murphy oferecendo-lhe em sacrifício o peixinho vermelho do aquário do Samuel. Não, eu não matei o peixe, ele morreu de causas naturais. Ou o companheiro de aquário dele o matou, mas eu nunca vou saber a verdade. E nem me importa. O que importa é que nesse ano a minha participação em eventos sociais da empresa se resumiu a beliscar uns quitutes natalinos na mesa de Natal que montaram, beber uma coca-cola quente em copinho plástico, assoviar e sair de fininho rezando pra que ninguém notasse que eu prefiro meu computador àquelas pessoas bizarras que usam perfumes fortes e te abraçam desejando boas festas querendo na verdade te ver pelas costas. Argh. Odeio essas paradas com toda a força do meu coraçãozinho negro. Ufa, passou... Agora só faltam as obrigaçõezinhas familiares malas e se acaba essa porcaria toda mais uma vez. Sempre preferi ano novo, e vocês?

"A verdade é que não havia mais ninguém em volta. Meses depois, não no começo, um deles diria que a repartição era como "um deserto de almas". O outro concordou sorrindo, orgulhoso, sabendo-se excluído. E longamente, entre cervejas, trocaram então ácidos comentários sobre as mulheres mal-amadas e vorazes, os papos de futebol, amigo secreto, lista de presente, bookmaker, bicho, endereço de cartomante, clips no relógio de ponto, vezenquando salgadinhos no fim do expediente, champanha nacional em copo de plástico.

...

Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram."

(CFA - Aqueles Dois)

domingo, dezembro 16, 2007

Reflexões ao acordar

E eu ainda me surpreendo... Com nossas palavras, que surgem fáceis, como se nunca houvéssemos antes vivido de outra forma, sem ser juntos. Com nossos gestos, sempre tão carinhosos, delicados, preocupados, zelosos. Com nossas vontades, sempre tão parecidas, assim como nosso jeito de ver e entender o mundo. Me espanto ainda com nosso ímpeto, com nossos achados e descobertas, sempre tão divididas, com nossas confissões, nossas conversas que nunca acabam, porque um papo sempre emenda no outro, e é tanto prazer que tenho em te ouvir, e é tão bom te sentir disposto a me escutar também, que não paramos mais, e parar pra quê? Fico mesmo surpresa com nossa amizade, que vai melhorando, e ficando mais especial a cada dia, e com nossas opiniões, tão parecidas, tão próximas, nossas concessões, cada um jurando que vai ceder um pouquinho mais, mesmo sendo só de brincadeirinha. Com nossas gargalhadas, que ultrapassam os limites, que não têm horário nem lugar, e quem precisa de lugar pra ser feliz? Com nossa intimidade, que não foi conquistada, nem forçada, e nem poderia, mas que surgiu natural, espontânea, algo predestinado mesmo. Sei que ainda estamos naquela fase de encantamento, de descoberta, de mundinho cor-de-rosa, mas tudo entre a gente é tão diferente, que de repente a gente acaba sendo diferente nisso também, e fazendo isso durar pra sempre. Não aquele pra sempre mundano, meu anjo. O nosso pra sempre, que é bem diferente.

"Não sei se o mundo é bão
Mas ele ficou melhor
quando você chegou
E perguntou:
Tem lugar pra mim?

Não sei quanto o mundo é bão
Mas ele está melhor
porque você chegou
E explicou
O mundo pra mim..."

(Nando Reis - Espatódea)

Considerações Finais

Tô meio triste, meio magoada. meio perdida... Não sei dizer bem qual é o sentimento. Um pouco de orgulho ferido, talvez, não por acreditar em tudo que ouvi, ou por me incomodar com a nova situação afetiva dele, nem nada disso. Apenas um "nossa, será que eu me enganei tanto assim?" ou ainda "será que um erro final é capaz de acabar com tudo de bom que passou?"...Não queria nada dele, apenas consideração. Sei que é recente demais, demais, mas da consideração eu não abria mão. Achei que merecia, afinal. Mas que fazer senão esperar a poeira baixar, as águas rolarem e todas essas expressões bregas que se diz por aí quando queremos que o tempo faça a situação melhorar. Apesar de tudo, de tudo mesmo, de todas as palavras amargas e ásperas que tive que ouvir, de todo o comportamento invasivo, agressivo, inconveniente, de toda a mágoa e raiva que é jogada nas minhas costas, ainda assim eu só desejo coisas boas pra ele, sempre e sempre. Não tem como ser diferente. Outros rumos, outras histórias, mas a nossa sempre vai ter um lindo ponto em comum, e quero que esse ponto sinta paz, respeito e tranquilidade entre nós. Acho que é a primeira vez que sou assim tão clara sobre essa situação. Não dava mais, e já fazia tanto, tanto tempo, que chega a ser hipócrita me apontar agora como a causadora de todos os males. Mas é mais fácil, claro que é. Não vou esquecer de todas as coisas maravilhosas que vivemos, não vou mesmo, não sou assim. De tudo a gente consegue retirar uma lição e de tudo a gente consegue retirar algo de bom. Meu amor não partiu, nem morreu, só mudou de forma, e vai estar aqui sempre, pois é tudo de melhor que eu conseguiria oferecer a ele e eu sei bem porque ele o mereceu tanto e de forma tão intensa por tanto tempo. Nada muda. E ao mesmo tempo mudatudo, e para sempre. OK?

"OK!"
(Brilho Eterno de uma mente sem lembranças)

"A canção tocou na hora errada
E eu que pensei que eu sabia tudo
Mas se é você eu não sei nada
Quando ouvi a canção,
era madrugada
Eu vi você, até senti tua mão
E achei até que me caía bem como uma luva
Mas veio a chuva e ficou tudo tão desigual

A canção tocou no rádio agora
Mas você não pôde ouvir por causa do temporal
Mas guardei tuas cartas com letras de fôrma
Mas já não sei de que forma mesmo você foi embora

A canção tocou na hora errada
Mas não tem nada não,
Eu até lembrei
Das rosas que dão no inverno

Mas guardei tuas cartas com letras de fôrma
Mas já não sei de que forma mesmo você foi embora..."

(Ana Carolina - A canção tocou na hora errada)

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Duelo

"Não tinha aquela coisa que se chama encanto. Só eu a vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela. E só eu posso dizer assim: "que é que tu não me pede chorando que eu não lhe dê cantando?' "
(Clarice Lispector)

Fazia tanto tempo que não nos víamos. Tanto tempo. E de repente, quando a sala está vazia, na hora do almoço, a encontro num canto, parada. Não preciso erguer meus olhos do computador para vê-la. Apenas continuo escrevendo, um leve sorriso no rosto. Ela sabe que não me assusta mais. Lentamente ela caminha, meio dançando, meio saltitando, leve, aquele jeito peculiar dela. Pelo canto do olho enxergo seus pézinhos descalços, pequenos e delicados, e ouço sua voz que num murmúrio cantarola mais uma daquelas canções celtas. Uma daquelas que eu mesma a ensinei a gostar. Ela finge não estar nem aí, mas sinto sua ansiedade em dizer algo, em fazer com que eu a note. Não tenho mais problemas com ela. Nem inveja, nem medo, nem nada.
- Você não me escreveu mais - ela diz, voz chorosa
Meus dedos pararam de digitar. Sempre cobranças, pensei. É só pra isso que ela vem. Olhei para o lado,e ela, num movimento brusco se aproximou e parou o rosto a cinco centímetros do meu. Aquele olhar insano de íris multicoloridas me encarava, ameaçador. Não tinha mais receio. Simplesmente comigo aquele jogo não funcionava mais.
- Não tive vontade - respondo, sem me abalar.
Ela joga meu porta-lápis no chão, espalhando os clips de papel pela sala. Parece irritar-se.
- COMO ASSIM?
Volto a olhar o computador, preocupada em salvar o arquivo em que estava trabalhando.
- Você sabe que as coisas não são assim tão simples.
Ela senta na minha mesa, deita nela, folgada, inconveniente, o vestido azul que eu mesma escolhi se espalha pelo teclado. Sua pele tão branca chega a me afligir. Os cabelos vermelhos parecem mais brilhantes do que nunca. Ela está linda, como sempre. Com o documento salvo, me afasto dela e da mesa, empurrando a cadeira de rodinhas para trás. Ela me olha de cabeça para baixo, franzindo as sobrancelhas quase inexistentes, tentando uma ameaça.
- Eu PRECISO de você... Você não pode me negar isso... Não pode... É INJUSTO DEMAIS me negar esse direito. Meu direito de viver, de existir!!!!
Dou risada, alto. Uma gargalhada. Me levanto.
- Eu nego seu direito de viver, Melissa? Compreende bem o que está dizendo? Prestou atenção no que disse?
Ela se levanta, raivosa, batendo com a mão no monitor, que cambaleia mas, ainda bem, não cai.
- VOCÊ NEGA! EU DEPENDO DE VOCÊ!! - notando meu olhar de descaso diante daqueles gritos, ela percebe a falta de empatia e diminui o tom de voz bruscamente, o que deixa mais nítida sua vontade de tentar me manipular - Minha querida... - ela se aproxima e ergue os dedos na direção de meu rosto paralisado - Eu gostaria tanto de caminhar com minhas próprias pernas, mas... - os dedos magros e frios dela, com as unhas curtas pintadas de preto e descascadas encostam nos meus cabelos e os acariciam. Sinto asco - Eu não posso, meu amor... Preciso que me ampare, que me empurre, que sonhe por mim...
Balanço a cabeça, dou mais alguns passos para trás...
- Você é tão falsa. Não é daquele jeito que eu te descrevo. Nunca foi. Sempre foi cruel, vil, maldosa, inconsequente. Só surge daquela forma doce porque empresto MEU jeito de ser pra você...
Os olhos dela se arregalam, demonstrando a loucura patente. Ela avança em minha direção e eu tento me afastar, esbarrando num vaso de planta e derrubando processos no chão.
- EXATAMENTE! Por isso você vai sentar ali naquele negócio - ela não piscava, apontava o computador, descontrolada - E VAI ME TRAZER DE VOLTAaaaaa... Agora!!
A porta se abre, quase que num estrondo. Rapidamente me abaixo para recolher o porta- lápis, os clips, os processos do chão. Ela desaparece. Perguntam se eu estava sozinha, dizem que ouviram gritos lá fora. Respondo que era um mal educado qualquer ao telefone. Sento diante do computador, sem piscar, e escrevo, escrevo, escrevo, olhos arregalados, multicoloridos, multifacetados, quase sem respirar. Dessa vez vai ser um pouquinho diferente, mas você sobreviverá, meu anjo...
O que eu não faço por você, minha menina?? O que eu não faço??

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Expiação de pecados

É, eu menti mesmo. Por medo de encarar a verdade. Por medo de dar tudo errado e depois ter que ouvir do mundo que eu havia me enganado. Logo eu, tão certinha, errar assim, e ainda deixar todo mundo ver? Tsc tsc... Sorry... Menti mesmo. Enganei pessoas. Por me apavorar diante de tanto sentimento e deixar a minha insegurança tomar conta. Porque na verdade, embora eu quisesse muito ser a senhora da razão, eu não tinha certeza de nada, e odeio admitir que não sei algo. Eu sou sempre perfeita aos olhos dos outros, lembram? Morrendo por dentro, mas com nenhum fio de cabelo fora do lugar. Tudo onde deveria estar, normalidade a qualquer preço. E foi assim que inventei a história mais boba que poderia existir. Quase que pedindo pra ser descoberta. Tão mais fácil assim, né. Adoro quando resolvem os problemas por mim. Eu mesma só resolvo quando dói, quando o sapato aperta tanto, que uma bolha d´água se forma em um dos dedos, e depois estoura, e depois sangra, e então eu não aguento mais andar. Daí coloco um esparadrapo, mas ponho o sapato de novo, para que a dor alivie meus pecados, amém. É quase como rezar sei lá quantas ave-marias e mais uma porção de salve-rainhas, ajoelhada, pedindo perdão por não corresponder às expectativas do mundo. Me penitencio assim, me maltrato, pra aplacar a dor causada pelo delito consumado, inevitável. Criminosa. Ato repreensível esse seu, héim? Mentir e sair em busca da sua felicidade. Quantas chibatadas agora, mártir? Serão elas capazes de levá-la à remissão? Menti. Envolvi pessoas, talvez pra não ser incriminada sozinha. E fui lá, ser amada um pouco. Uma atitude bem covarde, confesso. Bem de quem não se assume mesmo. Não me orgulho, não. Um dia essa adolescência acaba né seu Leminski? Até lá vou mascando meu chiclé de bola sabor tutti frutti, fazendo uma bola bem grande, dessas que estouram na cara, e fingindo que não é comigo. Fico de castigo uns dias, olhando o canto, arrependida, o amiguinho fica de mal, come sal, na panela de mingau, até sabe-se lá quando, fico sem ver tv por 15 dias, e a vida vai seguindo assim. A diferença é que agora eu tenho um caderno espiral inteirinho cheio de versinhos de amor e corações desenhados com caneta rosinha e perfumada. Isso vale qualquer mentira. Mas eu aprendi, minha gente. Dezesseis anos é só uma vez na vida. Depois que a gente tem conta no banco e cartão de crédito não precisa mais. Foi molecagem mesmo, assumo, pra sentir um friozinho na barriga e lembrar que algo ainda pulsa forte aqui dentro. E como pulsa. Mas no mundo do cartão de crédito as consequências são mais doloridas. Tô pagando o preço sem reclamar muito, afinal, tinha que ter ônus, né? É felicidade demais. Essa gente grande não faz nada de graça mesmo. Paciência. Obrigada por serem meus confessores. Quem sabe um jejum agora me redima completamente e ainda de quebra levam embora uns quilinhos a mais, hahaha... Amém.

"Comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser tão precavida; porque depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso – já atordoada eu sentia – isso era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta."
(Clarice Lispector - Aprendendo a Viver)

Obscena

"Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer."

(Do Desejo - Hilda Hist)

Veneração

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo." (Clarice Lispector)

Daí esses caras todos chegam aqui bem pertinho, quase no pé do meu ouvido, e me explicam. Vem o Caio e diz, senta aqui minha filha, que você tem muito o que aprender da vida ainda. E me fala de amor, e de sexo, com uma simplicidade tão doce, e me explica que a vida pode ser linda mesmo quando não é perfeita. E me diz que pode ser tão mais legal não fazer parte dos padrões pré-estabelecidos. Nunca fui assim, sempre preferi me diferenciar, mas sempre com tanto peso, um peso que não conseguia mais ficar carregando. E me espanto e me enamoro tanto dele que fico que nem boba copiando e colando todos os momentos de epifania que ele me proporciona sem parar a cada texto, a cada conto, a cada frase. E daí vem a Clarice e me diz: ah, menina, você tem tanto o que aprender ainda. Não seja assim tão arrogante. E me fala de humildade, do diferencial da inteligência para o bem e para o mau. E me instiga a refletir mais, e a escrever mais vezes meus pensamentos, mesmo quando eu me sinto assim nesse desinteresse manso que ela descreve. E tenho tanta vontade de devorar tudo o que esses caras já escreveram na vida, e ficar ali só sugando dessa sabedoria toda, que não vem de banco de escola nem nada, vem da vida mesmo, e da observação dela, e da sensibilidade sem tamanho, que dá até inveja. Ai, que inveja de quem se entrega assim, e com tanta qualidade, e se fazendo entender. Daí ela me pega de novo, quase que pelas orelhas, e me explica o que eu passo horas tentando definir. Meu amor pra você, Caio, minha devoção pra você, Clarice, e por favor, se não for pedir demais, as suas bênçãos pra mim, de ambos, que quando eu chegar na sombra da unha do dedinho do pé de vocês eu serei escritora de primeira, sabiam?

"Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio." (Clarice Lispector - Água Viva)

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Sete

"Corre a lua por que longe vai?
Sobe o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
...E eu trocaria a eternidade por esta noite...

Por que está amanhecendo?
Peço o contrario, ver o sol se pôr
Por que está amanhecendo
se eu não vou beijar seus lábios quando você se for...?"

(Nando Reis - Relicário)

Sentaram-se no chão da rodoviária mesmo. Na verdade, ela não estava mais se importando com o lugar. Precisava urgentemente começar a assimilar o fato de que eles estariam fisicamente separados daqui em diante, e sabe-se lá por quanto tempo. E faltava tão pouco. Uma hora. Uma hora para subir novamente naquele ônibus e voltar ao mundo real.

Quando estavam sozinhos, tudo parecia andar mais lento. Ela se lembrava do quanto foi demorada a última hora de viagem antes de encontrá-lo. Simplesmente os minutos não passavam, a ansiedade era tão forte. Mas quando estavam juntos as horas passavam voando, por mais que eles tentassem fazer o tempo parar de vez em quando. Bem diante deles, um gigantesco, insensível e implacável relógio fazia questão de lembrá-los da passagem de cada segundo.

E o que era afinal o tempo, uma medida, uma padronização, um lapso um período determinado, mas por quem, por que, pra que? Não. "...Temos nosso próprio tempo...", ele sabia disso também. Para eles, 24 horas poderiam durar 20 minutos. Ou um dia poderia durar séculos. Puras convenções, afinal. Mas estavam sujeitos a elas, infelizmente, mas felizmente havia ainda algum tempo para olhar para ele, encostar a cabeça no ombro dele e deixar-se abraçar. Havia tempo ainda para beijá-lo e para tentar guardar em algum lugar aquelas sensações todas, aquelas impressões todas, infinitas percepções.

Dividiam os fones e uma história agora, e ela estava prestes a ser interrompida. Está bem, não era uma interrupção. Era uma pausa. Estariam pausados agora, pelo menos naquele estado. Maldiziam o pobre relógio, que nem tanta culpa assim tinha.

E quando não puderam mais evitar, quando não tinha mesmo mais jeito, desceram as escadas, e seguiram pra plataforma de embarque. Ela iria primeiro. Um abraço, forte, e ela sentindo que ele não gostava muito dessa história de despedida. E então soltou as mãos dele e com grande tristeza simplesmente foi.

Olhou pra trás alguns segundos, mas não voltou mais. Subiu e seu coração partiu ao meio. A outra metade ficou lá fora, sentado, sério, com o pé num banco. E teve tanto medo de perdê-lo naquele momento, que quase desceu correndo as escadas de novo. Mas não podia. Ficou olhando pelo vidro enquanto ele se levantou e foi embora, também sem olhar pra trás. Era tão difícil de saber o que se passava naquela hora. Teve vontade de chorar, de gritar, de não ser tão covarde, de não se preocupar tanto com o que os outros achavam.

E foi então que o celular dela tocou. Era ele, e ela sabia disso antes mesmo de atender. Sorriu, um pouco mais aliviada, e trocaram mais algumas palavras de carinho. Não sabia mais como fazia pra ficar sem ele, mas teria que aprender, e rápido. E assim, como se não significasse nada, o ônibus simplesmente foi embora. Ele agora era ausência, banco vazio ao lado dela. Não queria mais música nenhuma, sem ele. E não queria afago nenhum que não fossem os dele. E era só ele que ela queria. E como doía, como doía...

"...Eu não queria ir assim...
Tão triste, triste...
Como vai ser ruim demais
Olhar o tempo, ir
sem ver os seus abraços,
seus sorrisos
ou suas rimas de amor..."

(Los Hermanos - Assim Será)

"...A voz do outro, a respiração do outro, a saudade do outro, o silêncio do outro. Sim, afligia muito querer e não ter. Ou não querer e ter. Ou não querer e não ter. Ou querer e ter. Ou qualquer outra enfim dessas combinações entre os quereres e os teres de cada um, afligia tanto..." (CFA)

terça-feira, dezembro 11, 2007

Cinco

"..Como chegar para alguém e dizer de repente eu te amo para depois explicar que esse amor independia de qualquer solicitação, que lhe bastava amar, como uma coisa que só por ser sentida e formulada se completa e se cumpre? Pois se ninguém aceitaria ser objeto de amor sem exigências..." (Caio Fernando Abreu)

Ele a encarava com aquele olhar indecifrável. Era sério demais às vezes, e ela tão boba, rindo a toa. Ele também ria, claro, também brincava, mas em alguns momentos aquela seriedade a desconcertava. Seria timidez? Que se passava ali? Receio? Julgamento? Ele a observava. Cada movimento. Sentado diante dela na mesa, no elevador, pelos cantos daquele quarto, pelo reflexo no espelho, enquanto caminhavam, ele sempre a fitava. Ela tentava juntar as peças todas daquele quebra cabeça, sem sucesso. Sentia aquele olhar mesmo sem vê-lo diretamente. Era forte a sensação de ser observada por ele, mesmo que esquivamente. Ser estudada daquela forma, quase despida, só com os olhos. Depois era ela a dona dos olhares oblíquos. Injustiça completa... Tinha certeza de que poderia esquecer de tudo aquilo, daqueles abraços, daqueles beijos, do cheiro, do toque da pele dele, até de sua voz, já tão familiar. Mas tinha certeza que nunca esqueceria daqueles olhos. Ele parecia mergulhar nela, na verdade. Parecia buscar sua essência, decifrá-la, procurar por tudo o que era inerente ali, mas não aparecia assim tão facilmente. Ele parecia tentar achar seu verdadeiro eu. Aqueles olhos castanhos, meio puxadinhos, pequenos e tão misteriosos, quase desconfiados, a derrubavam, faziam dela o que eles quisessem fazer. Estava entregue, era propriedade dele já. Mesmo sem comprender muito bem, mesmo sem saber direito as intenções que guardavam, as sensações que tinham, ela já o amava daquela forma, e amava por amar, sem perguntar se ele aceitaria ou não ser amado, se compartilharia daquele sentimento todo. Só queria poder se dedicar àquele sentimento e a ele com todas as forças que tinha, e era o que fazia agora, e o que faria daqui pra frente, quem sabe até quando, muito provavelmente até quando ele permitisse... E que fosse por longo tempo...

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Três

As mãos não se soltaram mais. Talvez por alguns rápidos segundos, misto de indecisão e impossibilidade, mas não se soltaram mais. Eles caminhavam lado a lado e as mãos assim permaneceram. Juntas, coladas, grudadas. Ela ainda estranhava um pouco a situação quando olhava para ele, e continuaria estranhando pelas próximas horas. Mas ao mesmo tempo, apesar do estranhamento, era tão bom vê-lo ali pertinho, mesmo sendo assim, meio de lado, já que ela mal conseguia forças para encará-lo de frente. Todo um quebra-cabeça se juntava, pecinhas guardadas há tanto tempo que agora tomavam forma concreta e real. Era bom e ao mesmo tempo meio assustador. Dava uma sensação estranha no estômago, tudo ainda meio revirado, meio mexido. Não dava pra ser natural. Era ele. Esperou tanto por ele, como tratar aquilo com naturalidade e não com a reverência necessária? Sorria sem parar, falava demais, naquela ânsia de parecer divertida, alguém agradável de se estar perto. Insegura demais. Tinha medo, tanto medo, de tudo dar errado. Queria que ele a achasse perfeita, mesmo ela sabendo que não era, nem nunca seria. Tinha vontade de invadir os pensamentos dele naquele momento. Descobrir o que ele estava achando, o que sentia ao finalmente encontra-la. Buscava sinais, mas eles não vinham. Ele parecia tão tímido, talvez até um pouco mais do que ela imaginava. Tão desprovido de desembaraço quanto ela. Mas isso não era ruim. Pelo contrário. Os aproximava ainda mais, e mais. Como se fosse possível estar ainda mais próximo dele. Intimamente conectados, ligados. Era ele, ali. Ela mal podia acreditar. Mas ainda faltava tanto. Faltava que relaxassem, que parassem de barrar aquele sentimento todo. Ela sabia o tamanho das barreiras que construía em volta dela mesma. Imensas, grandiosas mesmo. Mas não queria se defender dele. Não mais. Mas como controlar? E enquanto isso, no mundo real, tudo, tudo, absolutamente tudo dava errado. A empresa não vendia passagens para a volta, a padaria não vendia comida decente, a moto quase os atropelava, o ônibus se escondia, e depois os fazia descer no lugar errado, o sol e o calor não davam trégua e não havia uma só nuvem no céu, o shopping se afastava a cada passo que eles davam, a fome apertava e o sanduíche era tão ruim, tão ruim. “O que está acontecendo? O mundo está ao contrário e ninguém reparou?...” Mas os olhos dele eram tão bons de se olhar e aquela mão tão perfeita pra se segurar. Ele ria, brincava, dizia coisas divertidas e ela reconhecia nele aquelas características que a fizeram se apaixonar. Ela se olhava, nos reflexos das vitrines, tentando se reconhecer ali, tentando assimilar que era verdade mesmo aquilo tudo. Se emocionava com detalhes pequenos, curtas palavras que eram tão dele, coisas dela que só ele saberia encontrar. Sentada numa mesa qualquer de um lugar que não importava, ela buscava uma ocupação para as mãos, queria ter o que fazer com elas enquanto não estavam apoiadas nas dele. Ela sabia que seria assim. Tinha medo de estragar tudo. “Eu te amo”, ele murmura, quase sem soltar um som. Ela o encara com seriedade. Também o amava, também o amava. Nem sabia explicar como, mas amava, e só aumentava, e só intensificava. Caminharam mais um pouco, falaram mais um pouco, sentaram mais um pouco, bobagens cotidianas. E então entraram num táxi, silenciando tudo. E eram como Jesse e Celine, lado a lado, sentados no banco de trás de um carro, ansiando por contato, mas sem coragem de se olhar. A vida deles, ela pensava enquanto observava a cidade passando lá fora, era mesmo como um filme alternativo. Uma história tão diferente e ao mesmo tempo tão igual a tantas outras histórias. Com trilha sonora clássica e obscura, roteiro repleto de espera ansiosa, de separação dolorida, de conversas e silêncios intermináveis, de desejo contido e depois escancarado. História sem preocupação de agradar o grande público, mas que atinge a quem interessa, aqueles gostos mais peculiares, mais refinados, que se preocupam mais com a mensagem e menos com a estética holiwoodiana. Sorriu calada quando o carro finalmente parou. Estava, finalmente, vivendo seu próprio roteiro underground. Ainda bem que o grande público nunca entende a verdadeira mensagem, ela pensou, enquanto batia a porta do carro e apertava, mais uma vez, a mão dele.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Carta pra menininha cor de rosa

Sabe... Na verdade eu não deveria estar escrevendo pra você não. Não devia. Você é meio abusada, anda me enchendo o saco (indiretamente, mas anda) e eu não tenho nada a ver com a sua vida... Mas é que eu tenho algumas coisinhas pra te falar. É sobre os homens. É, eu sei que você acha que sabe tudo sobre eles. Eu também às vezes me sinto um pouco assim, toda sabichona. Mas tenho uma novidadezinha pra você: tu não sabe nada não, menina. Aliás, nem eu sei muito, mas acho que o pouquinho a mais que eu sei talvez possa te ajudar.

Agora faz assim, enxuga essas lágrimas, levanta essa cabeça, senta aí quietinha e me escute bem. Olha só, começamos até que bem. O primeiro mandamento você até já conhece. Na verdade, você o pratica: Seja clara com eles. Seja sincera, exponha seus sentimentos. É básico, simples, eles gostam das coisas assim, às claras. Tentar fazer com que eles entendam algo sem ser direta costuma dar errado. Eles não funcionam assim como nós.

Essa parte você já fez, ok? Disse o que sentia, explicou, foi clara. Agora é o turno dele. É um jogo, por mais que você diga que não sabe jogar ou que não gosta de brincar, tem que obedecer as regras. Existem duas possibilidades no turno dele. Sim ou não. É, é simples assim. Sim, em geral, costuma querer dizer sim. E não é não. Pois é. Nem é tão complicado, né? Homens são mais simples. Eles não têm essa péssima mania feminina de dizer sim querendo dizer não ou vice-versa. Pode ser meio cruel quando a resposta dada não é a que imaginamos, mas fazer o que, né? Vida continua, criança...

Com a sua resposta em mãos, passamos para o terceiro ponto. Se a resposta for sim, nêga, se joga! Agora, se for não... Bem, temos um impasse. Claro que é triste, é chato, é desagradável, mas convenhamos... Não será nem a primeira nem a última vez, ok? Portanto dê tempo ao tempo. Chore suas pitangas, quebre umas coisas, devore uma caixa de bombons, saia pra caminhar, enfim... Assimile a situação. Depois disso, aguarde, espere, se possível bem longe dele.

A próxima dica é bem importante... Anote: Não insista! Sério isso... Cara, como isso é sério. Não insista! Não se humilhe... Cada tentativa insistente sua diante da negativa do cara é um passo mais distante que você estará dele. Não ligue, não escreva, não procure, não fale... No máximo seja educada e sucinta se ele por acaso falar com você. E pronto. Por mais que doa, por mais que machuque um pouco. Faça isso por você mesma.

Deixe passar um tempo, o quanto for preciso. Até seu coração se acalmar, até a dor de cotovelo passar, até você voltar a vê-lo como amigo de novo ou até você olhar pra ele, rindo, e dizer... Putz, que foi que eu vi nesse mané? rs...

Não pense que eu estou sendo insensível... É chato ser rejeitada. Ah, é sim. A gente fica procurando descobrir o que tem de errado, afinal. Será o cabelo? O jeito de falar? To gorducha? Sou uma chata? Nem é... Quer dizer... Até pode ser... Mas pode ter certeza que essas coisas não tem explicação mesmo.

Simplesmente, às vezes algo “bate”... E sempre vai ter um cara que vai achar seu cabelo lindo mesmo quando você acorda parecendo uma maluca, que vai achar seu jeitinho nasalado ou fanho de falar o mais fofo do mundo, nem vai ligar pra sua barriguinha ou pras suas chatices. Sério. Keep walking, girl… Quando uma porta fecha aqui, uma janelinha abre ali, pode ter certeza...

E se essa conversinha toda não adiantar, querida, vamos ter que ter outra, um pouquinho mais séria, falando sobre invasão de território e propriedade privada... Mas tenha certeza que se isso for preciso eu não vou ser assim tããoo didática, ok?... Se cuida…Boa sorte néin! Beijonãomeliga!

"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."

(Lixo e Purpurina / Ovelhas Negras - Caio Fernando Abreu)

terça-feira, dezembro 04, 2007

Um

Quando ainda estava dentro do ônibus, o enxergou lá fora. Sorriu quando reconheceu a camiseta vermelha e percebeu que ele havia prendido os cabelos do jeito que ela havia dito que gostava. Mordeu os lábios de nervoso. Pensou em se esconder atrás da cortina. Sentiu que estava tão perto dele. Mais perto do que jamais havia estado. O coração acelerou de tal forma que ela achou que ia passar mal. O motor do ônibus desligou. Era a hora. As pessoas se aglomeravam no corredor, prontas pra descer. Tanta gente, cada um com seu motivo pra estar ali naquela cidade, cada qual com suas coisas para fazer, com seus problemas pra resolver. E o maior problema dela era reunir forças para se levantar dali e caminhar até ele. Eram só alguns passos que os separavam agora. Levantou-se, enfim. Ajeitou os cabelos, colocou a mochila nas costas. Estava pesada demais, a bolsa. Sempre fora desmedida com essas coisas. Fazer malas, escolher o que levar. Era difícil para ela selecionar o que era imprescindível e o que era futilidade. Sempre acabava esquecendo das coisas importantes. Olhou para fora, como quem busca coragem. Lá estava ele. Não via o rosto, só a camiseta. O fluxo de pessoas caminhava, e ela então se misturou àquelas pessoas. Sentiu-se feia. Teve medo dele não gostar dela. Aquela insegurança invasora, que parecia dominá-la, aprisioná-la, paralisá-la. Aquela necessidade de aprovação, de ser sempre a menininha perfeita ao olhar do outro, mesmo que morrendo por dentro para alcançar tal ideal. Não queria mais morrer por dentro. Não com ele. Queria que a aceitasse, somente. Daquele jeito imperfeito. Desejava de coração que tudo desse certo. Enquanto caminhava, tentava respirar. O ar parecia fugir. As escadas. Ficou pensando que ele enxergaria seu all star e tremeu por dentro. Um, dois, três degraus. O último desceu num salto, com os dois pés. Não sabia bem porque havia feito aquilo. Às vezes agia daquela forma impulsiva mesmo. Era de sua natureza. Depois logo se arrependia e se achava boba, tão boba. Será que ele havia reparado? Mas agora não adiantava mais, já tinha feito. Sorriu quando seu olhar encontrou o dele. Tão preocupada ela estava com aquele gestual todo, com aquele parecer impecável, que se esqueceu de reparar nas reações imediatas dele. Ele sorria, e isso deveria no mínimo ser um bom sinal. Mais dois passos, e lá estava. Não dava mais pra voltar atrás. Um abraço, tímido, e ela ali, falando demais, logo de cara. Era quase compulsivo. Falar demais, pensar de menos. Quanto mais falava, menos pensava no medo, na falta de jeito, na vergonha, na insegurança. Procurou sua mão, como havia prometido. Foi tão longo o caminho até ali. Apertou a mão dele, entrelaçada à dela. Era como um sinal. Ele correspondeu, sorrindo. Um beijo, era o que ela queria, só um beijo. Comprovação de qualquer coisa. Confirmação do que era tão incerto. Mas não veio o beijo. Não ainda. Talvez se ela calasse a boca por pelo menos um minuto ele conseguisse dizer algo, fazer algo, mas não foi assim. Inconscientemente, enquanto despejava todos os seus problemas nas costas dele falando e falando sem um minuto de descanso, ela se protegia covardemente daquela certeza. Se escondia, como a perfeita boba que era, morrendo de medo de passar a desejar aquele beijo pro resto de sua vida inteira.

"Vida da minha alma:

Um dia nossas sombras

Serão lagos, águas

Beirando antiqüíssimos telhados.

De argila e luz

Fosforescentes, magos,

Um tempo no depois

Seremos um só corpo adolescente.

Eu estarei em ti

Transfixiada. Em mim

Teu corpo. Duas almas

Nômades, perenes

Texturadas de mútua sedução.

(LXVII)

(Hilda Hist - Cantares de Perda e Predileção)

Llenando de inquietud mi corazón

Estou descobrindo tanto dele, que ando tendo eu também as minhas epifanias...

"...Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe?..."

(trecho de "Aqueles Dois" - Caio Fernando de Abreu)

"Tú me acostumbraste
A todas esas cosas
Y tú me enseñaste
Que son maravilhosas

Sutil llegaste a mí
Como la tentación
Llenando de inquietud
Mi corazón

Yo no concebía
Como se queria
En tu mundo raro
Y por ti aprendi

Por eso me pregunto
Al ver que me olvidaste
Por qué no me enseñaste
Cómo se vive... Sin ti?..."

(Tú me acostumbraste - Frank Dominguez - Cuba-1955)

nunca mais

Não queria que fosse assim não, sabe... Cheio de mágoa, de raiva, de coisas ruins sendo despejadas em mim. De sentimentos ruins ficando nele. Sempre fui tão constante, sempre tentei ser o mais honesta e correta possível. Claro que errei. É lógico que errei, e errei muito, demais, várias vezes... Mas quem não erra? Serei a mártir agora então. Ok, aceito meu papel, que assim seja, já que ele é pessoa tão difícil de se lidar, tão inconstante as vezes... Não queria. Quem sabe muda algo, quem sabe não mude nunca mais... Vamos ver... Na verdade não queria bem estar falando disso, mas está tão presente que se faz necessário. Pra limpar, pra colocar pra fora, pra tentar fazer melhorar as coisas aqui no meu coração. Meu dedo dói. Cada letra que escrevo é uma dorzinha fina e constante. Um corte bobo, mas profundo, que me incomoda, que me impede de me expressar normalmente. Quando eu teclo, lembro do corte, a dor incomoda. Não é forte não, é só algo constante. A metáfora perfeita. Mas passa, como tudo passa. Não sou de guardar mágoa, nunca fui na verdade. Muito difícil alcançar essa proeza de me magoar de verdade. Ouvi muitas coisas ruins, pesadas, que sei que não mereço, que sei que não sou, mas ouvi. Deixei que me dissessem, que me contaminassem, deixei porque assim eu sou mesmo, aceito as coisas ruins dos outros de vez em quando. Pego elas pra mim, deixo que me machuquem as vezes, como se fosse uma penitência, o castigo para aquela culpa da qual eu sempre tento fugir, mas que vira e mexe aparece, me assombrando, me atormentando, me corroendo por dentro. Eu sei que não tenho culpa, sei que não fiz nada absurdamente errado. Dei minhas mancadas, mas quem não dá... Quem é ele pra apontar o dedo pra mim agora? Ai, isso tá incomodando um pouco. Queria que não incomodasse, talvez um dia ainda alcance esse nível superior de existência em que essas coisas pequenas não me atingirão mais... Até lá o jeito é aprender a lidar com um sentimento que já me ronda e que fica rodeando a minha cabeça e meus pensamentos como assombrações...

"...Deixamos pra depois uma conversa amiga
que fosse para o bem, que fosse uma saída
Deixamos pra depois a troca de carinho
Deixamos que a rotina fosse nosso caminho
Deixamos pra depois a busca de abrigo
Deixamos de nos ver fazendo algum sentido

Deixamos de sentir o que a gente sentia
que trazia cor ao nosso dia a dia
Deixamos de dizer o que a gente dizia
Deixamos de levar em conta a alegria
Deixamos escapar por entre nossos dedos
A chance de manter unidas as nossas vidas

Amanhã ou depois, tanto faz se depois
for nunca mais... nunca mais..."

(Nenhum de Nós - Amanhã ou depois)