quinta-feira, dezembro 13, 2007

Expiação de pecados

É, eu menti mesmo. Por medo de encarar a verdade. Por medo de dar tudo errado e depois ter que ouvir do mundo que eu havia me enganado. Logo eu, tão certinha, errar assim, e ainda deixar todo mundo ver? Tsc tsc... Sorry... Menti mesmo. Enganei pessoas. Por me apavorar diante de tanto sentimento e deixar a minha insegurança tomar conta. Porque na verdade, embora eu quisesse muito ser a senhora da razão, eu não tinha certeza de nada, e odeio admitir que não sei algo. Eu sou sempre perfeita aos olhos dos outros, lembram? Morrendo por dentro, mas com nenhum fio de cabelo fora do lugar. Tudo onde deveria estar, normalidade a qualquer preço. E foi assim que inventei a história mais boba que poderia existir. Quase que pedindo pra ser descoberta. Tão mais fácil assim, né. Adoro quando resolvem os problemas por mim. Eu mesma só resolvo quando dói, quando o sapato aperta tanto, que uma bolha d´água se forma em um dos dedos, e depois estoura, e depois sangra, e então eu não aguento mais andar. Daí coloco um esparadrapo, mas ponho o sapato de novo, para que a dor alivie meus pecados, amém. É quase como rezar sei lá quantas ave-marias e mais uma porção de salve-rainhas, ajoelhada, pedindo perdão por não corresponder às expectativas do mundo. Me penitencio assim, me maltrato, pra aplacar a dor causada pelo delito consumado, inevitável. Criminosa. Ato repreensível esse seu, héim? Mentir e sair em busca da sua felicidade. Quantas chibatadas agora, mártir? Serão elas capazes de levá-la à remissão? Menti. Envolvi pessoas, talvez pra não ser incriminada sozinha. E fui lá, ser amada um pouco. Uma atitude bem covarde, confesso. Bem de quem não se assume mesmo. Não me orgulho, não. Um dia essa adolescência acaba né seu Leminski? Até lá vou mascando meu chiclé de bola sabor tutti frutti, fazendo uma bola bem grande, dessas que estouram na cara, e fingindo que não é comigo. Fico de castigo uns dias, olhando o canto, arrependida, o amiguinho fica de mal, come sal, na panela de mingau, até sabe-se lá quando, fico sem ver tv por 15 dias, e a vida vai seguindo assim. A diferença é que agora eu tenho um caderno espiral inteirinho cheio de versinhos de amor e corações desenhados com caneta rosinha e perfumada. Isso vale qualquer mentira. Mas eu aprendi, minha gente. Dezesseis anos é só uma vez na vida. Depois que a gente tem conta no banco e cartão de crédito não precisa mais. Foi molecagem mesmo, assumo, pra sentir um friozinho na barriga e lembrar que algo ainda pulsa forte aqui dentro. E como pulsa. Mas no mundo do cartão de crédito as consequências são mais doloridas. Tô pagando o preço sem reclamar muito, afinal, tinha que ter ônus, né? É felicidade demais. Essa gente grande não faz nada de graça mesmo. Paciência. Obrigada por serem meus confessores. Quem sabe um jejum agora me redima completamente e ainda de quebra levam embora uns quilinhos a mais, hahaha... Amém.

"Comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser tão precavida; porque depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso – já atordoada eu sentia – isso era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta."
(Clarice Lispector - Aprendendo a Viver)

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