quinta-feira, janeiro 22, 2009

Desconexo



"...Te vejo e pareço louca
Sem memória, sem história
Até que alguma canção
Algum cheiro ou expressão
Me faça te ver de novo
Mas é rápido, é quase pouco...
E nem dói nada...
Nossa paixão congelada

Não te reconheço mais
Tuas roupas são outras
E soltas de mim
As palavras da tua boca..."

(Nunca Mais - Adriana Calcanhoto)


"Essa noite, o dragão que você perseguia mudou de rumo..."

Foram as últimas palavras dele. Parecia ter acontecido há tanto tempo, mas Melissa ainda era capaz de se lembrar da cena exata. A relatividade do tempo nunca fora tão patente. Não havia sido uma despedida justa. E qual delas é? Aquilo havia marcado tanto. Aquelas palavras rasgaram seu peito. Causaram uma dor inimaginável. Ficar sem ele era como não existir. Era perder parte de sua essência. Era curioso que ele não percebesse. Ou será que percebia? Não importava mais. Christopher, Christopher, Christopher... Um nome que se repetia em sua mente sem parar. Iria vê-lo, iria vê-lo, iria vê-lo... VÊ-LO!! Seria possível que depois de dez anos, depois de tantas mensagens, de tantos e-mails, de tanta poesia escrita e depois rabiscada, de tanto ódio... Porque sim, ela o odiara pelo abandono, pela renúncia, pelo descumprimento daquele que ela considerava como papel de um mentor, de um guia. Fora largada à própria sorte, e, convenhamos, ela certamente nunca foi das mais abastadas.

Foi quando ela sentiu algo. Era como se estivesse viva de novo, e não presa àquele corpo de vampira. Ele estava ali, e Melissa tinha certeza absoluta disso. Percorreu aflita os dez metros que a separavam da porta, que abriu exatamente no mesmo segundo em que ele apertava a campainha. Os olhares se encontraram, e ela sentiu um embaraço, uma estranheza, algo que parecia não combinar com um reencontro daqueles. Fisicamente eles sempre seriam os mesmos, uma das vantagens da imortalidade, mas ela o conhecia bem demais para não julgar a expressão que ele trazia, e não era boa.

Se afastou, dando espaço para que ele entrasse. Déjà Vu. Ou quase. Porque ao invés de entrar, ele surpreendentemente a abraçou. Um abraço forte e inesperado, um gesto que ela jamais esperaria. Não dele, jamais. Foi dominada por aquele cheiro. Almiscar, amadeirado, persistente, que a abarcava, cercava, dominava. Deixou-se abraçar, apanhada de surpresa, conduzida pela voz que parecia resmungar algo em seu ouvido. Um som frouxo, rápido, tanto que ela mal conseguia entender. Era mesmo ele? Falava de saudade? E enquanto aquela barba cerrada machucava seu pescoço suave, marcando a pele fina e quase transparente, ela simplesmente desejou que ele a soltasse, porque aquele não era mais o homem que ela amava, e ela precisava urgentemente descobrir onde ele estava.

"...Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!..."

(Álvaro de Campos)

2 comentários:

Fabiola disse...

é lindo este poema de Alvaro de campos!

renata penna disse...

lindas combinações. adoro as atmosferas que você cria tão bem...