terça-feira, setembro 20, 2011

Melancolia

(Kirsten Dunst - Justine - em Melancolia)
(Ophelia, de Millais)

(obs: não é um review e está cheio de spoilers)

Assim que o filme começou tive um certo pânico e pensei: oh, não! Estou assistindo um 2001! E no cinema! Socorro, não dá pra pausar, ir comer alguma coisa e voltar!? Pra onde correr?
As cenas iniciais são lindas, mas o fundo de ópera (o prelude de Tristão e Isolda, de Wagner - fiz questão de procurar), e a câmera lenta de pássaros morrendo, cavalos caindo, planetas se chocando e "Ofélias" (referência acima, Millais) boiando no rio me deixaram apreensiva. Se soubesse que elas logo terminariam teria apreciado a arte com mais atenção ao invés de ficar procurando desesperadamente um lugar para onde correr. :)

A referência à injustiçada (?) noiva de Hamlet - sinônimo de desequilíbrio e loucura, para alguns causado justamente pelos relacionamentos amorosos - é bem sutil, mas pontual, o que fez minhas antenas feministas se levantarem na mesma hora, mas elas foram se abaixando gradualmente, contentes com o decorrer da história, já que não há nada de submisso na relação da personagem de Kirsten Dunst com os homens, apesar da história deixar nítida sua dificuldade de relacionamento com qualquer figura humana masculina e adulta: o noivo que faz planos e ama sozinho, o pai ausente, o chefe abusivo, o cunhado inutilmente protetor, o ingênuo futuro colega de trabalho. Em contraponto, outras figuras masculinas da história - o sobrinho e o seu cavalo favorito, cujo nome me esqueci - , que aparentemente oferecem a ela amor gratuito e livre de grandes cobranças, são objetos de atenção e cuidado.

Justine é uma mulher livre e que só faz o que quer. Chega a hora que quer à cerimônia de seu casamento, deixando dezenas de convidados esperando, faz sexo com quem quer na hora que tem vontade, despreza as convenções sociais, abandona a festa para dormir, tomar banho ou colocar o sobrinho para dormir, chuta as hierarquias, ignora o que não lhe interessa, e ainda assim parece sempre infeliz. Não se encaixa, não vê sentido no que parece ser importante para o resto do mundo. Tenta sorrir, mas não consegue conter a tristeza. Culpa da mãe louca e ultra sincera, do pai mulherengo e completamente ausente, da irmã superprotetora e conivente, do mundo que parece ceder a todas as suas vontades e caprichos, ou culpa dela mesma? Como saber? A cena do começo da limosine que não consegue avançar pela estrada estreita é uma ótima metáfora para o que sente Justine - alguém que pretende ser o que não é.

Claire, a irmã de Justine, papel da lindíssima Charlotte Gainsbourg (sim, esteticamente gosto mais dela do que da Kirsten, também muito bonita, mas de beleza mais óbvia), representa a mulher com a família perfeita e a vida perfeita, o casamento irretocável, que vive num castelo luxuoso com seu marido riquíssimo e um belo filho (me apaixonei pelo garotinho, claro S2). Apesar de declarar seu ódio momentâneo pela irmã algumas vezes, ela procura não perder o controle e se preocupa em abafar as loucuras de todos, mantendo as aparências de vida de comercial de margarina. Ela se apóia com todas as forças nos ombros do marido, seu porto seguro e referência, pois é quem "sabe das coisas" e "estuda as coisas", e é claro que quando ele "cai" ela despenca em espiral até o fundo do poço de frivolidades.

O fim do mundo e o planeta Melancholia que se aproxima quase ganham papel secundário diante de tantos mergulhos nas personalidades e estranhezas das protagonistas. Acho que era o que o diretor pretendia, mostrar que mesmo numa situação de catástrofe inevitável, nossos sofrimentos e dores particulares permanecem egoisticamente em primeiro plano. Entre a forma como cada uma das irmãs lida com o fim do mundo - Justine reagindo com desprezo e superioridade "eu já sabia" e Claire com desespero e futilidade "Quero tomar uma taça de vinho" - fico ainda com a fé do garotinho, que de olhos fechados aguarda pelo fim com a certeza de que sua caverna mágica o protegerá de todo e qualquer mal. :)

Saí do cinema meio chocada e digerindo o filme. No carro, chorei pacas com algumas fichas caindo. Resultado final muito positivo, adoro filme com catarse :)

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