terça-feira, outubro 30, 2007

Suicídio Virtual

Sempre sorria quando encontrava aquelas palavras ali, escritas só para ela. Seriam para ela? Essa dúvida na verdade nunca seria explicada. Gostava de imaginar que era com ela, sim, que ele falava. Jamais admitia, mas gostava.

Era com profundo prazer que percorria aquelas palavras com os olhos, que admirava e refletia sobre cada frase, cada verso escolhido, várias e várias vezes. Descobria alguns sinais entre um e outro parágrafo.

Mas sempre encontramos sinais quando procuramos por eles, não? Poderia ser só mais uma coincidência, dessas que os aproximava tanto. Mas ele teimava em não acreditar em coincidências.

Apesar disso, uma coisa era fato: Ele tinha o dom de compreendê-la, mesmo que nem soubesse muito bem disso, já que ela nunca dizia.

Já era quase como um ritual diário ler as palavras dele, e exatamente por isso foi com um sentimento de grande estranheza que ela encarou aquela falta de notícias prolongada.

No primeiro dia ela até estranhou, mas não muito. Poderia ser falha na conexão, imaginou. Um segundo dia sem notícias. Será que o computador quebrou? Deve estar trabalhando demais, coitado... Três dias, e ela já buscava pistas entre conhecidos em comum. Poderia estar doente, quem sabe? O orkut fora deletado.

No quarto dia, ela pensou em deixar um comentário registrado. Vai ver ele acha que ninguém mais lê o blog, arriscou. Mas desistiu da idéia. Vai ver amanhã ele aparece, com que cara vou ficar?

Cinco dias de sumiço. Uma viagem, uma catástrofe, um afastamento voluntário ou forçado? Chegou o fim de semana. Aguardava, roendo as unhas, que ele aparecesse no MSN, como sempre fazia. Nada. Sentia tanta, tanta falta. Nunca imaginaria que pudesse sentir saudades de alguém que mal conhecia.

Mais dois dias de um silêncio que doía. Deu-se conta que nada sabia dele. Não tinha telefone, mal sabia seu nome completo ou endereço, não tinha sequer certeza de sua idade, do que fazia. Não perguntara.

Um e-mail. Um endereço na rede. Mais nada. Encheu-se de coragem e mandou uma mensagem. Não queria forçar nada, afinal, ele sempre fora tão reservado. Mas precisava saber, precisava de uma resposta.

O e-mail foi, e não voltou. Restava esperar. Ele falava tanto com ela, de tantas coisas, despejava tanto de seu sentimento para ela. Ela nunca se sentia muito à vontade para fazer o mesmo, apesar de sentir que podia confiar nele... Se arrependia um pouco agora.

O tempo passava e ela ali, só com aquela foto desfocada, (por que diabos nunca pedira outra?) o coração nas mãos, nervoso, agitado, e aquela ausência que era quase uma presença, de tão forte. Até que um dia, a resposta daquele e-mail chegou. Nada escrito, apenas uma música anexada.

Dessa vez, sabia, era uma mensagem pra ela.

Uma música que falava sobre alguém que tinha em suas mãos a pessoa mais linda do mundo sem perceber. Uma música que falava de alguém que ganhava um coração de presente, mas o rejeitava, porque já tinha cansado de acreditar.

Uma música que falava de um medo que era tão conhecido dela, o medo de arriscar mais, de tentar, um medo que não a abandonava nunca.

Uma música que falava sobre alguém que quase implorava para que o outro não tentasse mais fazê-la feliz, porque já não adiantava mais.

Ouviu a música dez vezes seguidas. Era como uma carta de despedida. Chorou, sentida, até cansar. E então, finalmente, entendeu.

"Olhar você e não saber
Que você é a pessoa mais linda do mundo
Eu queria alguém lá no fundo do coração

Ganhar você e não querer
É porque eu quero que nada aconteça
Deve ser porque eu não ando bem da cabeça
Ou eu já cansei de acreditar...

O meu medo é uma coisa assim
Que corre por fora
entra, vai e volta
sem sair...

Oh, não,
não tente me fazer feliz
Eu sei que o amor é bom demais
Mas dói demais sentir... "

(Marina Lima - Dalto/Cláudio Rabello - Pessoa)

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