terça-feira, setembro 25, 2007

Cara de Arial

"Todas as cartas de amor são
Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas)"

(Álvaro de Campos)

O nome dele era R* e ele foi meu primeiro amigo na internet. Nos conhecemos no ano 2000 por um desses sites bobocas de encontro pela rede. Queria me corresponder com alguém como fazia nos velhos tempos, por carta e tal. Não tinha foto (não era simples ter fotos digitais nessa época).

Ele me chamou a atenção pela descrição. Dizia que tinha cara de letra Arial 12. Achei simpático e respondi na mesma linha "Engraçado, eu também tenho cara de letra arial 12"

Palavras dele num e-mail posterior pra mim: “Não esperava, era tarde pra caramba e eu comecei a rir. Como é que pode, eu tentando ser o "inteligente", o misterioso e alguém me queima desse jeito (no bom sentido...haha).”

Não guardei muitos e-mails dele, só alguns, (nós trocávamos e-mails todos os dias) mas ele foi a primeira pessoa que eu adicionei no meu icq.

A gente conversava muito. Como a internet era discada e baixar alguma música demorava algumas horas, a gente costumava ouvir rádio juntos enquanto conversávamos. Ele tinha 23 anos, eu tinha 21.

A gente chegou a conversar algumas vezes por telefone, mas éramos meio tímidos. Por icq era que a coisa rolava. Horas, horas e horas conversando. Era tudo novidade pra mim. Aí, depois de alguns meses, ele começou a namorar com uma amiga da faculdade e sumiu.

Mandei um e-mail, dizendo que sentia saudades, que estava preocupada com ele, e outras coisas. A resposta que recebi reencontrei hoje perdida em uma dessas pastinhas velhas da minha caixa de e-mail.

A resposta era ridícula. Aliás, esse também era o subject: ridícula, esdrúxula, como qualquer carta de amor

“O que vc quer que eu diga? que são 2h22 da manhã e, se eu não escrever isso, vou ficar sem dormir direito? Que não faria isso (ficar acordado pra desfazer um mal entendido ou mesmo ficar acordado por qualquer motivo) pela minha namorada?
Que evito falar com vc pra tentar te esquecer? Que, na verdade, venho tentando me afastar de vc pra não alimentar mais isso e tentar "voltar como um amigo", mas que acho que não vai ser possível? Que venho dizendo todo dia durante todo esse tempo pra mim mesmo que não acredito nisso de gostar de alguém pela internet, que isso é bobagem, que passa, que é algo sem importância? Que eu escuto insistentemente as músicas que a gente ouvia juntos só porque elas me fazem lembrar de você? Que entro em salas toscas de bate papo esperando encontrar alguém com que possa conversar daquela maneira, só pra poder dizer pra mim mesmo que tem muitas por aí iguais a vc? Que eu já curti umas fossas por alguém que não é nem nunca foi minha namorada e que esse alguém é você, por mais que eu brigue, lute e me debata contra esse sentimento? Que venho guardando isso por uns 3 meses? Pronto, falei....agora, eu faço o papel de bobão, "o cara que não pode ouvir um elogio da irmã que já se apaixona"? Desculpa.... Precisava falar, estava tudo aqui entalado e esse Foo Fighters tocando também não estava ajudando muito. Se cuida, por favor, eu vou sumir, tocar minha vida, de preferência sem ilusões. Um beijo. Eu te amo, e nunca fui tão sincero na vida dizendo isso para alguém. Fique bem. R*”

Ele sumiu. Não recebi mais notícias, nem e-mails. Na época, não respondi, resolvi não procurá-lo mais mesmo, respeitar. Não sei se ele esperava que eu respondesse que também o amava ou coisa do gênero, mas não rolou. Os endereços foram deletados e o pouco que eu sabia dele desapareceu. Era um cara legal, espero que esteja bem. Se estiver por aí, R*, mande um sinal de fumaça... Fica tranqüilo, to escolada nesse lance de internet agora, não me pega mais. Mesmo. hahaha... Um beijo, seu ridículo...

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