sexta-feira, julho 13, 2007

Identidade

Essa semana andei ajudando o pessoal da Nacional do Camarilla a criar personagens para o chapter Curitiba. Foi bem divertido. Eis duas crias minhas do Circle of the Crone:

Perséfone



Adaptação de uma antiga personagem de Dark Ages. Só usei parte do conceito, na verdade. O resumo geral é que ela é uma menina inocente, ingênua mesmo, abraçada por um místico, isolado e antigo Nosferatu do Círculo que estaria na beira de seu torpor com o objetivo de que ela cuidasse e zelasse por ele enquanto ele dormia. Acontece que em uma bela noite, quando ela aparece para cuidar da cripta de seu idolatrado sire, o corpo do homem havia desaparecido. O que ela herdou de minha antiga Perséfone é uma certa obsessão, quase uma atração, pela morte, além de um aspecto sobrenatural forte (piorado pela aura assustadora de um Nosferatu). Segue breve historinha:

A tragédia de Proserpina*

Eu não o encontrei. Ele me buscou. Meu Hades. Aquele que me arrancou da inocência e me mergulhou na escuridão junto dele. Assim como na história da Mitologia, ele me seqüestrou e me levou para viver no inferno ao seu lado. Me salvou, de todas as maneiras possíveis, embora poucos acreditem que se possa ser salva quando se vive no inferno. Mas eu fui. E ao lado dele me tornei a senhora das almas, aquela que tem o poder de controlar a morte e seus desígnios. Esqueci meu passado. Tornei-me Perséfone. A doce romã banhada em seu sangue era meu alimento. E assim seria por toda a eternidade. Assim eu prometi.

Quando ele cerrou seus olhos pela última vez, quando me despedi e jurei olhar por seu corpo e por nosso refúgio enquanto ele descansava, derramei meu próprio sangue e dei minha honrada palavra de que seria sua guardiã diante de tudo. Mas fraquejei. Meu roteiro perfeito teve uma falha imperdoável e inexplicável. Senti-me caindo de um precipício quando seu corpo desapareceu. Quem o havia levado?

Noites de angústia e dor se seguiram, até que resolvi parar de sofrer e agir. Li cada palavra de seus diários, decorei cada passo de seus rituais místicos, consultei cada um de dos guias espirituais que consegui contatar. Diversas entidades diferentes me ofereceram ajuda, pedindo os mais variados favores em troca de trazer Hades de volta. Analisei um a um seus contatos, seus inimigos.

Tracei planos e estratégias para trazê-lo de volta para mim. Foram tantas horas seguidas de dedicação, de transes, de entrega, que em determinados momentos eu já não sabia mais se estava sonhando, delirando, ou acordada, só sabia que precisava continuar. Sei que estou perto, mas faltam ainda algumas peças para completar o quebra-cabeças que me trará de volta meu senhor. Eu o farei, cumprirei meu legado e completarei minha missão. Me sinto pronta para essa caminhada que para mim só tem dois finais possíveis. Ele de volta, ou minha vida entregue em sacrifício, para compensar minha falha. E ainda seria pouco.

* nome romano para Perséfone

Kuiã



Esse personagem é livremente inspirado nos índios da tribo Kaingang, do Sul do país. É um personagem gangrel, cercado protegido e amparado por um grupo forte de ghouls, uma tribo inteira presa por um forte laço de sangue com esse vampiro. O objetivo dele é preservar com unhas dentes e garras o território onde os umbigos de seus ancestrais estão enterrados (essa é uma tradição real dos Kaingang).

Utilizando um ritual de Croac (disciplina do Círculo) em que o vampiro se apossa do corpo de outra pessoa, Kuiã usa o corpo dos xamãs, líderes espirituais da tribo, para comandar um sangrento ritual onde ele reafirma de tempos em tempos seu laço de sangue com os índios. Praticamente tudo o que está descrito no conto abaixo é verdadeiro e relacionado à cultura Kaingang, menos a parte do ritual de sangue, claro. Essa parte é livremente inspirada em rituais e festins de sangue dos bandos sabatt do antigo WoD. Segue a história:



Sangue xamã

Toda a aldeia estava completamente envolvida num ritual místico. Chamas crepitavam em tochas altas e eram a única iluminação naquela madrugada. Eram seis, ao todo, espalhadas pela clareira onde os Kaingang reverenciavam seus mortos. Os sons que se podiam ouvir vinham das orações e cantos dos rezadores, além do barulho ritmado dos chocalhos de cabaça de milho e de rústicos instrumentos de sopro. As mulheres, reunidas em grupos, faziam pinturas faciais umas nas outras. A tinta era escura como carvão e cobria todo o rosto e corpo de cada uma delas. Eram como escudos negros que as protegiam dos maus espíritos.

Sentado abaixo de uma das tochas, com uma vasilha e uma espécie de pilão à sua frente, estava o Kuiã, ou Xamã, um homem que tinha o corpo e rosto cobertos da tinta negra protetora, além de um adereço feito com ervas e penas preso em sua cabeça.
Abençoado e conduzido em transe por seu companheiro animal, conhecido como mig ou gato do mato, o Kuiã cumpria seu dever mais importante, o de presidir os rituais da tribo e promover curas aos adoentados.

Em troca de promover reverências aos mortos e proteção espiritual para todos, Kuiã recebia de seu animal sagrado o poder de viajar para o Nunbé, um local intermediário entre o mundo dos vivos e dos mortos. Também era agraciado com o dom de ver e prever o futuro, além de beneficiado com a longevidade e saúde quase sobrenaturais.

Enquanto entoava os cânticos e rezas e balançava seu corpo ao ritmo dos chocalhos, Kuiã preparava em seu pilão uma mistura de mel, remédios da mata, como Hoasca e Paricá e o ingrediente sagrado, onde havia se banhado o mig. A mistura continha também o próprio sangue do Kuiã, e tomar dele representava à tribo a honra máxima, a proteção divina.

De mão em mão, embalada pelas danças cada vez mais frenéticas e compassadas, a vasilha repleta desse líquido preparado pelo Xamã e conhecido como kiki, a bebida sagrada da tribo, circulava entre todos os presentes, que cortavam também suas próprias mãos e encostavam seus ferimentos uns nos outros, derramando sangue na vasilha sagrada.

Em êxtase, embriagados pela força do kiki, os Kaingang reiteravam aos berros e gritos sua obediência e respeito eternos ao seu sagrado líder Kuiã até que o cansaço dominasse seus corpos e eles caíssem fatigados em seu solo sagrado.

Um comentário:

renata penna disse...

Menina, que universo complexo esse, hein? :O)