quinta-feira, janeiro 15, 2009

Pequinês



Ficava ali, esperando. Um sinal, uma dica. Uma palavra escondida nas entrelinhas. Significados ocultos naquele discurso. E nada, nada se encaixava. Ela guardava esperanças de que algum dia, de alguma forma, ele diria o que ela tanto precisava e desejava ouvir. Acompanhava os inúmeros textos que ele publicava em seu blog dia após dia, analisando cada frase com uma esperança tão forte que era quase uma certeza. Uma expectativa que se encerrava quando os relatos chegavam ao seu ponto final. Nada outra vez, ela pensava, enquanto tentava entender os motivos que ele tinha para não expôr aquilo que pra ela era tão nítido, tão óbvio.

Não havia nada palpável entre eles, é claro, nada além do contato casual de duas pessoas que moravam na mesma rua. Disso ela sabia. Mas muito além da razão, ela era sentimento. Trazia dentro dela uma certeza inquestionável de que, em algum momento, ele se manifestaria. Depois que descobrira seu site, passou a achar que esse contato seria feito por um de seus textos, assim como ela mesmo costumava fazer em sua própria página na internet.

Nem passava pela cabeça dela que pudesse estar errada, que talvez ele sorrisse pra ela porque era uma pessoa naturalmente simpática e da mesma forma sorriria para qualquer outra pessoa do mundo; que talvez seus caminhos se cruzassem por puro e total acaso, e não porque o rapaz armava situações para que seus encontros parecessem casuais, como ela insistia em pensar. Talvez as inúmeras coincidências que os ligavam eram simples e somente isso: coincidências, e não sinais enviados pelo Universo para indicar que aqueles dois devessem ficar juntos. Mas quem conseguiria convencê-la do contrário?

Faltava-lhe coragem, estímulo, força, desembaraço, ousadia, ela pensava. Pobrezinho. Mas há de se curar, repetia, com firmeza. E sorria com ainda mais segurança quando o encontrava caminhando pelo bairro, sempre acompanhado do cachorrinho pequinês mau humorado e de latidos estridentes. Não se podia negar que havia nela uma disposição natural para ver as coisas pelo lado bom, talvez temperada com um tantinho de ilusão e simplicidade (pra não dizer que era uma garota ingênua).

Até que um dia, se cansou. Decidiu que tomaria uma atitude, ou pelo menos que daria um primeiro passo. Cruzou com ele pela rua, como de costume. Então, decidida, parou e se virou para chamá-lo, bem a tempo de ver de camarote a cena cinematográfica que o senhor Universo coincidentemente arranjara para aquele dia: o beijo imenso que ele dava em sua namorada, com quem acabava de se encontrar casualmente. Foi belo, com direito ao cãozinho pequinês se enrolando em volta das pernas dos dois, que se desequilibraram e tolamente desandaram a gargalhar naquela felicidade típica de apaixonados. O romance açucarado que ela carregava nas mãos caiu no chão, e lá ficou, estirado na calçada de pedra.

E ela nunca mais ouviu All my loving...

"...Close your eyes and i'll kiss you
Tomorrow i'll miss you
Remember i'll always be true
And then while i'm away
I'll write home everyday
And i'll send all my loving to you

I'll pretend that i'm kissing
The lips i am missing
And hope that my dreams will come true

And then while i'm away
I'll write home everyday
And i'll send all my loving to you

All my loving i will send to you
All my loving, darling, i'll be true

Close your eyes and i'll kiss you..."

(All my loving - Lennon e McCartney)

2 comentários:

Blue disse...

Arrepiei...

Blue disse...
Este comentário foi removido pelo autor.